sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

O Amor Também Faz Errar

O Ira! lançou a inédita O Amor Também Faz Errar. A música, que já disponível em todas as plataformas digitais, é o primeiro single do próximo disco do grupo paulista. Nasi está empolgado com o novo trabalho. — Batizado simplesmente 'Ira!', o nome já indica um álbum no melhor estilo da banda. E o primeiro single, O Amor Também Faz Errar, prova isso: canção mod que fala sobre as contradições do coração. Puro Ira!. Gravado no estúdio A9 Audio, em São Paulo, o álbum da banda foi produzido por Apollo 9 e tem lançamento previsto para maio. Já a formação atual do Ira! traz, além de Nasi (vocal), Edgard Scandurra (guitarra e vocal), Johnny Boy (baixo) e Evaristo Pádua (bateria).

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

eNTrevista: Arnaldo e Nando

eNTrevista:

Olhando para os Titãs anos depois e comparando com os trabalhos de hoje, havia raiva, rebeldia, protesto e toda a juventude movendo a composição de vocês. Três décadas depois, com os filhos e todas as mudanças que o tempo traz, o que alimenta a música que vocês fazem?
Arnaldo: Para mim, é tudo muito parecido, sinto que a inquietude é a mesma. Tanto que em meu último disco (RSTUVXYZ, de 2018) gravei aquela parceria com o (ex-titã, morto em 2001) Marcelo Fromer (Se Precavê), que fizemos no começo dos Titãs, e parece que foi feita agora, soa muito atual. O anseio criativo, o desejo de expressão, de dizer as coisas que devem ser ditas, a inventividade, tudo parece igual. Claro que vamos amadurecendo no sentido de termos mais experiência, cantando melhor, tocando melhor, lidando melhor com a imprensa. E há diferenças na performance de palco também. Havia certos movimentos que eu fazia e que hoje faço menos, como aquele chute no ar que a perna não vai mais tão alto (risos).
Nando Reis: Sobre a composição, o contexto como você diz, como se a juventude fizesse diferença em relação aos incômodos... Sinto que o que se mantêm idêntico é a música, a busca pela resolução da canção. Quando penso em fazer uma música, tenho a mesma curiosidade, a mesma angústia e a necessidade de trabalhar da mesma maneira, eu gosto da melodia. Isso não faz diferença alguma tenha eu 19 ou 56 anos.
O violão parece ser um ponto importante importante entre vocês. Nando tem o pensamento da canção, parece compor sempre com o violão no colo. Arnaldo tem uma postura mais sinfônica, pensando no todo quando faz uma música.
Arnaldo: Eu toco violão apenas como ferramenta para compor. Mas o valor de uma canção, para mim, está muito na adequação de uma coisa à outra, na maneira como se entoa a letra, como se divide as sílabas na cadência rítmica. Às vezes, faço música andando na rua, sozinho, e ela pode vir com letra ou sem. Outras vezes, aparece em um ensaio, com a banda improvisando algo, como era no tempo dos Titãs.
Nando: Eu componho muito mesmo ao violão. No entanto, quando trabalho com Samuel Rosa, por exemplo, faço algo único, que é escrever letra sobre a melodia. Na verdade, o que identifica cada artista é sua linguagem própria que pode também passar por isso. No fim das contas, fazemos música.
Havia uma expectativa e até um patrulhamento por aquilo que vocês viriam a fazer nos próximos discos dos Titãs. Sem as gravadoras, o final dessa cobrança parece ter deixado o artista mais livre, e às vezes mais perdido, capaz de criar um próximo álbum completamente diferente do trabalho anterior.
Nando Reis: Para mim, isso está associado à absorção do trabalho. Não lanço mais um disco por ano, não sei se é porque não há mercado para isso ou se já tenho outro ritmo, mas lidamos com o momento. Expectativa nunca foi algo que tenha qualquer tipo de interferência no que fizemos.
Arnaldo: A gente lançava um disco por ano, mas isso tinha um ritmo natural. Era algo orgânico gravar, lançar, até que a coisa do digital quebrou um pouco esse formato. Eu ainda sou muito apegado ao formato de álbum, continuo pensando em termos de álbum quando vou fazer um trabalho. Quem está aparecendo agora já está pensando diferente, tem gente que só lança single. Mas acredito que é importante continuarmos tendo expectativas, ela faz parte da relação do público com o artista, deve existir para a manutenção do mito.
Vocês sempre tiveram posturas políticas declaradas em seus trabalhos. A delicadeza do momento polarizado do País pode mostrar que existe uma nova forma de se politizar os versos de uma canção?
Arnaldo: O artista é livre e, inevitavelmente, o assunto será político, seja sua canção sobre a namorada, o porteiro ou a mãe. Fazer política não é só se referir aos representantes oficiais. Agora, estamos em um momento hostil, terrível e de ameaça constante com relação a tudo o que eu ao menos prezo como cidadão, como artista. Por isso, é um momento de se valorizar as coisas positivas como a poesia, a música, os direitos humanos, a natureza, a relação entre as pessoas. Qualquer uma dessas coisas que valorizar já estará sendo subversivo nesse status quo. Eu, como cidadão, me sinto ameaçado.
Nando Reis: Eu, como cidadão, me sinto ameaçado e, como artista, me sinto hostilizado por um governo que é explicitamente hostil, especialmente a quem tem pensamento contrário a ele. Eu, curiosamente, dei o nome a essa turnê de Esse Amor Sem Preconceito, que é um verso tirado da música de Roberto e Erasmo. Ela tem uma força política incrível. Escrever é hoje em dia um posicionamento. Estou dizendo desde o dia em que nasci as coisas em que acredito.
Arnaldo: Dizer Esse Amor Sem Preconceito, a frase de Roberto, é um ato político hoje em dia, como também é o fato de eu cantar rocks e sambas alternando os dois no meu disco, um exercício de convivência com a diversidade que acaba sendo político e pedagógico em uma época de tanta intolerância. Assim, acabamos sendo políticos mesmo sem querer.

segunda-feira, 24 de junho de 2019

Discografia Comentada: Casa das Máquinas























Formada em São Paulo em 1973, a Casa das Máquinas é uma das principais referências quando falamos do rock produzido no Brasil durante a década de 1970, ao lado de nomes como Made in Brazil, O Terço, A Bolha, Mutantes e poucos outros. O grupo surgiu a partir de outra lenda dos palcos nacionais, Os Incríveis, quando o guitarrista José Aroldo Binha e o baterista Luiz Franco Thomas, conhecido como Netinho, juntaram-se ao vocalista e guitarrista Carlos Roberto Piazzoli, o Pisca. O quinteto foi completado pela entrada do baixista Carlos Geraldo (que também cantava) e pelo multi-instrumentista Pique (piano, órgão, saxofone e flauta).


A Casa das Máquinas gravou três álbuns emblemáticos e históricos: Casa das Máquinas (1974), Lar de Maravilhas (1975) e Casa de Rock (1976). Este trio de discos é obrigatório para quem se interessa pelo rock nacional, e traz excelentes canções.


Casa das Máquinas foi lançado em pela gravadora Som Livre e teve a sua produção assinada por Eustáquio Sena, que tinha em seu currículo o clássico Acabou Chorare (1972), dos Novos Baianos, considerado pela Rolling Stone o melhor disco de um artista brasileiro em todos os tempos. Vale mencionar, como curiosidade, que a coordenação geral da produção ficou a cargo de João Araújo, pai de Cazuza e um dos mais poderosos executivos da indústria fonográfica nacional durante as décadas de 1970 e 1980.

A direção criativa da Casa das Máquinas sempre esteve nas mãos de Netinho, e neste disco de estreia isso fica evidente. Ainda tentando encontrar seu som, a banda alterna entre canções mais pesadas, outras onde a MPB toma a frente e momentos mais calmos. A música de abertura, “A Natureza”, possui um dos melhores riffs de guitarra da história do rock BR. Outros momentos bem rock estão em “Trem da Verdade”, “Cantem Este Som Com a Gente” e “Sanduíche de Queijo”, que fecha o trabalho. Percebe-se uma influência de Rolling Stones onipresente, ao mesmo tempo em que ecos da inocência da Jovem Guarda e um toque bem sutil da psicodelia dos Mutantes surgem aqui e acolá. “Tudo Porque Eu Te Amo” é o relato cantado do conflito de gerações vivido na época, uma balada em que Pisca faz uma declaração de amor ao seu pai enquanto narra as diferenças de vida e de pensamento entre os dois. Mas o momento mais icônico do álbum é a linda “Canto Livre”, composta por Lúcio Batista e adaptada pela banda de maneira sublime. Uma letra belíssima e que, na interpretação das Casa das Máquinas ganhou a sua versão definitiva.

Neste primeiro álbum, as composições foram criadas em sua maioria pela dupla Aroldo e Carlos Geraldo. A capa traz uma foto da banda com a maquiagem utilizada nos shows na época. O disco foi relançado em 2006 em CD dentro da série Som Livre Masters, que colocou de volta no mercado os grandes registros da gravadora. Essa reedição teve o som remasterizado e toda a sua produção foi coordenada por Charles Gavin, ex-baterista dos Titãs.


O quinteto rodou o Brasil e retornou um ano mais tarde com Lar de Maravilhas (1975), disco que demonstrou uma maturidade muito maior em relação à estreia. Netinho assumiu a produção, e isso se refletiu no clima do álbum. A sonoridade é datada, mas daquele jeito agradável e poeirento que marca os discos gravados durante a década de 1970. A formação de debut sofreu mudanças com a entrada de Marinho Testoni nos teclados, substituindo Pique, além da inclusão de Marinho Thomaz na bateria, dividindo o espaço com Netinho.

A abertura já mostra serviço com “Vou Morar no Ar”, uma das músicas mais conhecidas da banda, onde as linhas vocais se alternam entre mudanças de andamento instrumentais. O clima viajante da primeira música é mantido na esotérica faixa título. Outro ponto que fica evidente é o lado instrumental muito mais trabalhado, gerando canções mais elaboradas e com mudanças de dinâmica constantes. Além disso, em Lar das Maravilhas a Casa das Máquinas passou a ter os seus vocais divididos entre Pisca, Aroldo e Carlos Geraldo, então vozes dobradas e harmonias são uma constante.

Outro ponto que chama a atenção é o distanciamento proposital de qualquer aspecto que lembre, mesmo de maneira sutil, algo de música brasileira. Em seu lugar surge um rock claramente influenciado pelo progressivo tão em voga na época, com a guitarra dividindo o espaço com o teclado e composições com arranjos mais viajantes e atmosféricos. “Astralização” é o exemplo perfeito desse novo caminho. O rock mais direto fica em segundo plano e surge apenas em “Epidemia de Rock”, uma deliciosa música onde o destaque vai para a bateria de Netinho e para a letra.


Lar das Maravilhas
 é o álbum mais prog da Casa das Máquinas, com canções mais calmas e sem tantas explosões sonoras. A produção de Netinho funcionou bem, imprimindo um timbre pesado para os instrumentos e que soa legal até os dias de hoje. A capa traz uma ilustração criada pela Grão Comunicação Visual, enquanto João Araújo surge novamente como coordenador de produção. Em relação aos créditos, Netinho emerge como uma força criativa, dividindo os créditos da maioria das faixas com Aroldo e Carlos Geraldo. O álbum ganhou uma reedição em CD em meados dos anos 1990, e mais recentemente foi relançado pela Som Livre em CD em 2015 e em vinil pela Polysom em 2018.

Para o seu terceiro disco, a Casa das Máquinas chamou o engenheiro de som norte-americano Don Lewis, que dividiu a produção com Netinho. Isso se refletiu em um trabalho que tem o melhor som entre os três álbuns gravados pela banda, com destaque para as guitarras e a bateria. Carlos Geraldo deixou o grupo e o baixo foi gravado por Pisca, que também canta e toca guitarra. João Alberto assumiu o instrumento após a gravação, enquanto Simas estreou como a principal voz. Guto Graça Melo assumiu a direção de todo o material.

As dez faixas de Casa de Rock fazem jus ao título, naquele que é o álbum mais rock and roll da Casa das Máquinas. A banda deixou pra trás as experimentações progressivas de Lar de Maravilhase em seu lugar veio com um rock cativante, com guitarras fortes e refrãos que grudam na cabeça. O disco mais maduro da banda traz um trabalho de composição muito mais desenvolvido, refletindo a maturidade de uma formação que já estava junta a alguns anos e que ficou mais forte com os shows e com a experiência.

Estão em Casa de Rock algumas das músicas mais conhecidas da Casa das Máquinas, como a imortal canção que batiza o disco e “Pra Cabeça (Jogue Tudo Pra Cabeça)”. Outros ótimos momentos podem ser ouvidos em “Estress”, “Londres”, “Dr. Medo” e “Eu Queria Ser”, enquanto o lado mais contemplativo da banda dá as caras em “Certo Sim, Seu Errado” e na bonita “Lei do Sonho de um Vagabundo”.

Netinho e Pisca dividem as composições ao lado de Catalau, que já havia contribuído no álbum anterior e mais tarde seria o frontman do Golpe de Estado. A arte da capa, criada pela dupla Sidney Biondani e Carlão, estampa um “Brazilian Rock” entre aspas, chamando a atenção para o estilo que a banda tocava.  O disco foi relançado em CD em 1995 e 2016.

Empolgado com o resultado do álbum, Netinho embarcou para a Europa na esperança de marcar alguns shows no Velho Mundo, enquanto a banda ficou no Brasil promovendo o disco. Em setembro de 1977, durante uma entrevista para a TV Record, Simas se envolveu em uma briga com um operador de câmera, que acabou falecendo dias depois. A banda foi responsabilizada pela morte e acabou envolvida em um enorme processo, que foi decisivo para o encerramento das atividades em abril de 1978. O grupo só retornaria aos palcos em 2003, reformulado por Netinho, e desde então faz shows pelo país.

A Casa das Máquinas possui uma discografia curta, porém marcante. Seus álbuns são um testemunho de como era fazer rock no Brasil durante a década de 1970 e são essenciais para quem quer conhecer mais sobre o desenvolvimento do estilo em nosso país. Ao menos um deles, Casa de Rock, é um clássico incontestável e presença certa em qualquer coleção que se preze.

(Autor Desconhecido)

terça-feira, 28 de maio de 2019

eNTrevista: Vímana

Entrevista completa com a banda Vímana na Rádio Eldo Pop em 1977. Lulu Santos, que na época nem sonhava ser o maior nome do pop brasileiro, justifica a ausência do baterista Lobão dizendo que ele "deve estar por aí com as gatas!" São tocadas as músicas Perguntas, On the rocks, Masquerade, Speedway e The secret garden, do disco nunca lançado da banda.

sexta-feira, 17 de maio de 2019

"Bolsonaro está fazendo ressurgir o punk rock no Brasil", CartaCapital eNTrevista Mao dos Garotos Podres

O professor de história José Rodrigues Mao Júnior, vocalista da banda de punk Garotos Podres, tomou um café com o jornalista Fred Melo Paiva. Falaram sobre a polêmica do pôster dos Dead Kennedys, sobre política e Bolsonaro. Morador de São Bernardo (SP), berço político de Lula, Mao acha que o ex-presidente só sai da cadeia com o povo na rua. "Bolsonaro conseguiu transformar o Lula em um herói, no sentido da mitologia grega." O lendário vocalista credita o revival do punk paulistano à "babárie" bolsonarista. "Nada mais revigorante", diz, "do que ter uma causa por que lutar".

segunda-feira, 29 de abril de 2019

eNTrevista: Pitty

Ser roqueira não me impede de fazer experimentações, diz Pitty, ao lançar disco Matriz, seu trabalho "Bahia lado B" Artista reencontra a própria matriz em disco com música do ex-guitarrista Peu, Maglore e parcerias com Baiana System e Larissa Luz por Pedro Antunes da Rolling Stone foto Otávio Sousa "Saudade é a vontade daquilo que já se sabe que gosta". A frase surge no meio novo disco de Pitty assim, falada, sem rodeios, enfeites e harmonias. É uma vinheta de pouquíssimos segundos, como um post no Twitter, rede social na qual ela é seguida por 8,75 milhões de contas.

Ao trazer para o disco esse olhar sobre o sentimento de distância, temporal e/ou física, Pitty também expõe outras referências suas, caso o spoken word (a declamação de poesias ou letras de música), inspirada por Patti Smith e os poetas beatniks. Pitty está em um novo momento, único na sua trajetória, no qual pode se colocar a pensar sobre quem ela foi, quem ela quer ser. Virou mãe, é apresentadora do programa Saia Justa, do canal GNT, tem milhões de seguidores nas redes sociais e discos de platina acumulados na carreira. Disco que começou nos palcos Em um café no centro de São Paulo, Pitty vê a caneca de cappuccino vazia, mas evita pedir mais um. Era um dia de entrevistas sobre Matriz, novo álbum da artista, lançado nesta sexta-feira, 26, cinco anos passados desde SETEVIDAS, o disco anterior dela. Sobre a sugestão de tomar mais um, opta por um copo d'água. "Se tomar três, a pessoa vai ficar ó...", diz, enquanto agita as mãos. "Parece que eu tenho um ciclo de disco de quatro anos, né", ela brinca. Em abril, Matriz completou 1 ano de gestação. "Foi o maior tempo que eu levei para produzir um disco e foi muito massa. Muita coisa foi se revelando ao longo do processo. Eu sempre respeitei o tempo da música e da criação. Eu demoro para lançar disco, mas coloco isso entre aspas, porque alguém determinou um tempo para se lançar discos." Aos 41 anos, Pitty está colocando a sua máquina de novo em movimento, mas não quer mais seguir estruturas pré-estabelecidas por um mercado já enfraquecido para ser capaz de ditar tantas regras assim, diferentemente de anos atrás. "Não sei quem inventou essa regra de que o artista lança o disco, vai para turnê, lança um DVD, faz turnê do DVD, e depois volta a gravar um novo disco", ela diz, à Rolling Stone Brasil, numa tarde mais quente do que fria de outono, duas semanas antes da chegada do novo álbum. Matriz, produzido por Rafael Ramos é o retorno depois da gravidez de Madalena, filha com Daniel Weksler, nascida de 2017. Trata-se do sexto álbum da artista, entre trabalhos solo e com o duo Agridoce. "Antes, tínhamos uma demanda de trabalho, mesmo", diz Pitty, sobre o ritmo de trabalho de turnês e lançamentos na sequência. "Mas aí a vida vai mudando. Hoje eu tenho uma filha. Comecei a me interessar em fazer as coisas com mais espaçamento. E isso é bom para a arte. Faz respirar, me faz crescer, me dá mais bagagem para compor. Cada um tem um processo de armazenar essas informações que vão virar algo, um texto, um livro, um disco, o que for." Começou nos palcos, porque Pitty assim o quis. Figura das mais importantes do rock nacional desde o início dos anos 2000 (possivelmente a maior daquela safra surgida na virada de século), Pitty chega em 2019 com a liberdade de fazer aquilo que intui ser o melhor, sem pressão. Por isso, voltou aos palcos com um show novo, em 2018, criado a partir do conceito de retomar sua matriz, de onde ela veio, para entender aonde gostaria de chegar - e isso, o objetivo, seria entender qual seria o novo álbum. "Esse disco foi se fazendo. Fui dando oportunidade para ele se fazer. Não queria impor um disco, queria gestá-lo", diz Pitty. "Foi uma experiência massa. Foi uma oportunidade de testar as músicas primeiro ao vivo, algo que antes não tínhamos. Cada show gerava uma expectativa, era um frissom." No meio do caminho, em 2018, Pitty lançou dois singles para esquentar o lançamento do novo trabalho. A primeira foi "Contramão", com participações da rapper Tássia Reis e de Emmily Barreto (do Far From Alaska), e a segunda foi "Te Conecta". A primeira não entrou no disco, "Te Conecta", sim. "Eu sabia que 'Contramão' seria algo assim. Um evento único", conta Pitty, sobre o primeiro single. Já "Te Conecta", ela explica, se encaixa dentro do conceito que ela estava criando para Matriz e foi incluída entre as músicas do disco. De Dorival Caymmi à Bahia "lado B" Matriz, na versão de disco, é o álbum "mais Bahia lado B" da Pitty. Ela, que carregou por tanto tempo o adjetivo de "roqueira baiana" por parte da imprensa do Sudeste, volta às origens, de certa forma, em seu novo disco. Mas ao fazer essa nova ligação com a Bahia, Pitty não quer viver de egotrip, ela quer é tratar da Bahia que conhecei, mas não só. Além daquela na qual nasceu e cresceu, também buscou a nova versão, transformada no período no qual Pitty a deixou para viver em São Paulo. "Se eu for mergulhar nesse mar, eu vou de cabeça", ela brinca. Na primeira música do disco, Pitty já deixa suas intenções claras ao usar um sample de "Noite de Temporal", música de Dorival Caymmi, um dos melhores artistas a retratarem musicalmente Salvador e sua Bahia. Mas Matriz é, principalmente, um disco sobre outra Bahia, aquela contemporânea, do hoje, contada e cantada por quem veio dali, de diferentes gerações. Para isso, Pitty escolheu artistas conterrâneos para dividir os holofotes com ela no trabalho. A banda Baiana System, destaque absoluto no universo alternativo e que tem conseguido exposição no mundo mainstream, inclusive com um bloco de carnaval em São Paulo cada vez mais concorrido chamado Navio Pirata, é protagonista na música "Roda". A faixa, a mais pesada do trabalho, é co-assinada por Russo Passapusso e Beto Barreto, duo criativo do Baiana, e tem o cavaquinho baiano transformado pela distorção, como é comum na discografiada banda. O peso é elevado ao quadrado ao encontrar a guitarra, baixo e bateria com pegadas essencialmente roqueiras. https://youtu.be/wiaJNga_6Gg (Te Conecta)
Nas letras, Pitty deixa muito claro quem é hoje e como chegou até aqui. "Nunca é tarde demais para voltar para o azul que só tem lá", recita, a artista, ao final de "Roda", canção na qual ela e Russo dividem os microfones para exaltar a força que têm os artistas vindos da Bahia: "Pode olhar atravessado (mas vê se muda) /
É o nosso jeito de expressar / Quando se entra na roda, pai / Ninguém quer parar", cantam. Ela também regravou "Motor", uma música da banda indie Maglore, também baiana, já cantada por Gal Costa. "O Rafa (Ramos, produtor do disco) sempre me disse que eu deveria regravar essa música", conta. A versão de Pitty deu cores vivas à faixa, ainda que a guitarra tenha um sabor nostálgico por conta do efeito vintage da guitarra que embala uma canção de saudade. https://youtu.be/2crBRcmZMTU (Motor) Voz grave e clássica da cultura baiana, Lazzo Matumbi participa "Noite Inteira", com murmúrios retumbantes ou cânticos ao fundo, enquanto Pitty faz uma de suas músicas mais políticas e atuais de Matriz. "Respeite a existência ou espere a resistência", canta, lindamente, Matumbi. Trouxe também Larissa Luz, outra artista importante do cenário nacional atual, vinda da Bahia, para "Sol Quadrado", música que encerra o disco. Nela, Larissa recita um texto escrito recentemente por Pitty, em uma música composta e inicialmente gravada em uma fita cassete demo no início dos anos 2000. Tudo a partir de uma fita cassete "Rafael me mostrou uma fita cassete com músicas demo que eu enviei para ele em 2001. Eu nem lembrava mais dela", conta Pitty. A K7 tinha as primeiras gravações de Pitty, gravadas no seu quarto, com Pitty ao violão, e enviada ao produtor Rafael Ramos. Foi ali o início da carreira da artista, antes dos estouros com os discos Admirável Chip Novo (2003), Anacrônico (2005) e Chiaroscuro (2009), sucessos lançados em sequência antes da chegada do projeto Agridoce, com Martin Mendonça, em 2011. Pitty, na turnê Matriz, também quis usar seu violão antigo, aquele mesmo com o qual gravou as primeiras canções, em um set acústico do seu show, algo que ela não costumava fazer nas turnês anteriores. "Sol Quadrado", música daquela K7 que sobreviveu ao tempo, é a música que encerra o disco e mostra uma Pitty muito atual e de 2019. Forte, de mente, de corpo e de discurso. "Tá na hora de questionar / Não vou fugir, mas da minha essência não vou me afastar", ela canta. Em uma curiosa contrapartida, o álbum abre com "Bicho Solto", faixa que mostra uma artista mais selvagem em suas intenções, é da safra mais recente. "Eu me domestiquei pra fazer parte do jogo / Mas não se engane, maluco / Continuo bicho solto".
Homenagem a Peu Única música não assinada por Pitty, sozinha ou em coautoria, em Matriz é "Para o Meu Grande Amor", música escrita por Peu Sousa, guitarrista da artista na gravação do seu primeiro disco, Admirável Chip Novo, na primeira versão da banda dela, e que deixou o grupo em 2005. Com um currículo que incluía ainda shows ao lado de artistas como Carlinhos Brown a Marcelo D2, Peu tirou a própria vida 2013. Depois disso, Pitty manteve contato com a esposa dele, Monique Ferrari, e com a filha Ananda, que também é artista. "Nos comunicamos [Pitty e Monique] por anos. Ela falava que queria fazer um disco tributo com algumas músicas que havia encontrado no computador dele. E eu falei: "vai me mandando as coisas, eu também quero fazer algo com a obra de Peu", conta Pitty. Rafael Ramos, de novo, disse a Pitty que ela deveria gravar essa música. "Encontrei com a filha dele, Ananda, e ela me disse: 'Sempre imaginei essa música com a sua voz", conta Pitty. "É mais um pedaço da Bahia 'lado B'." "A Ananda está seguindo o caminho musical e ela é uma menina incrível, com uma cabeça f***", elogia. Roqueira, sim, ainda bem Pitty faz o seu disco mais contundente, musicalmente falando, mas também com relação aos temas nos quais ela trabalha em Matriz. Ela experimenta novos ritmos e sabores, algo com o qual já havia flertado no trabalho anterior, SETEVIDAS, de 2015, na música "Serpente", mas agora ela parece mais leve para experimentar a injeção do eletrônico no rock dela. "Eu considero que esse é sim um disco de rock, principalmente em termos de texto, mas esteticamente também. Porque o que o rock propõe é virar tudo de cabeça para baixo, inventar coisas novas sempre. Esssa revolução, dando ela certo ou não. Não tô dizendo que isso necessariamente funciona, mas o ímpeto, o desejo e a intenção de fazer isso já é o que move." Ela debate, com isso, um aspecto do rock como gênero, desgastado muitas vezes por quem vive dentro dele. "Muitas vezes as pessoas mais xiitas dizem que o rock morreu, dizem o que é rock e o que não é. Eu digo que sou roqueira e tenho muito orgulho disso. Mas isso não me limita, não me impede de fazer outras experimentações, de tocar com outras pessoas. Eu não deixo de ser quem eu sou. Quem tem medo de perder a identidade é porque não está tão certo assim dela. Eu sou muito segura com relação a isso." https://youtu.be/DbIRvTW2PFA (Noite Inteira) Ela segue: "Nada me tira da condição de roqueira na essência. Na verdade, só me acrescenta. Acho que ficar na mesma coisa é o que pode promover uma determinada morte. Morte é não evoluir, é não transcender, é não passar de um estágio para o outro. Pitty, ao longo dos seus discos - sempre pesados, diga-se de passagem - mostra isso. "Eu acredito na transposição de sair, na evolução de sair. Eu penso em fazer parte dessa transposição. Quero estar nesse movimento porque ele é inerente à mim. Eu não conseguiria ficar parada." Agora, sim, ela pôde voltar à Bahia Todos os álbuns de Pitty são pessoais, porque é assim que ela cria, desde o início, quando gravou a já citada fita cassete e enviou-a para o produtor que se tornou seu escudeiro nesses anos todos. Mas há algo mais próximo da artista em Matriz. "Entendi o conceito do disco no meio para o final do ano passado, quando eu fui para Salvador e estava nessa onda de visitar a gênese das músicas, fazendo um pouco dessa análise de porque essa menina, dentro de um quarto em Salvador, pegou um violão e começou a tocar", ela explica. "E sobre toda aquela força que o punk rock trazia, de com três acordes poder tocar tudo. Era essa a história que eu queria contar no show Matriz, essa história que eu quis contar nesse disco também." "Porque o disco", ela diz, "veio a partir dessa análise de pensar em como cheguei até aqui, de pensar na Bahia que eu cresci, na Bahia de hoje, nos artistas que estão nesta cena da Bahia de hoje que é tão diferente da cena na qual eu cresci. Eu percebi que esse disco tinha Bahia para caramba." A partir desse momento, ao perceber o caminho que Matriz tomaria, Pitty explica que deixou as músicas seguirem seu curso. "Eu só respeitei e também fugi dos estereótipos. Eu abracei a parte de Bahia que estava se apresentando dentro daquele repertório." Dentro desse contexto, Matriz tem uma colaboração entre Pitty e Daniel Weskler, seu marido, chamada "Ninguém É de Ninguém" (https://youtu.be/DbIRvTW2PFA) - uma canção de amor bastante libertária -, mas também tem "Bahia Blues", uma faixa intensamente autobiográfica. "Cresci na Ladeira do Prata /
Andei no Campo da Pólvora / Rodei pela Barroquinha / O bar do pai, a boemia / A mãe secretária na sapataria / A reza da escola todo santo dia/ Medalha de santo pra boa menina", diz a estrofe inicial da música.
Já é possível perceber ali o apelo da canção, que vaga entre memórias afetivas que Pitty revisitou sobre a sua própria Bahia e sua história em Salvador. Mas, ao longo da música, ela confessa: "Eu vim de lá / Eu vim de lá, baby / Eu vim de lá mas não posso mais voltar". Quem diz esses versos, contudo, é outra Pitty, não a de 2019, porque a mesma canção "Bahia Blues" evolui, conforme as lembranças seguem se apresentando à Pitty tinha 20 e poucos anos quando deixou Salvador e veio para São Paulo tentar a vida como artista. Hoje, aos 41, crescida, mãe, artista estabelecida, ela se sente à vontade para resgatar sua trajetória. Ao fim de "Bahia Blues", ela celebra esse momento: A Pitty de hoje, com seu novo disco, nova vida, pronta para voltar. "Eu vim de lá, baby / Eu vim de lá … E agora eu posso voltar". Matriz é isso.


segunda-feira, 22 de abril de 2019

“É tolice medir o talento de um artista por suas posições políticas”












Vocalista do Capital Inicial há quase quatro décadas revela decepções com PT, Lula e Sergio Moro — a quem conheceu num show. Inspirado em Renato Russo, prega independência por música combativa


Rumo às quatro décadas de carreira, Dinho Ouro Preto, 54, confessa que demorou a acreditar que poderia viver da música. O vocalista do Capital Inicial, que emergiu na cena do rock no início dos anos 80, a era de ouro das bandas de Brasília, imaginava que, cedo ou tarde, seguiria o caminho traçado pela família. Tataraneto do Visconde de Ouro Preto, neto de ex-presidente da Academia Brasileira de Letras e filho de diplomata, renunciou à veia política para se tornar um dos roqueiros mais longevos do Brasil. Atribui à sorte, aliada ao estilo de vida saudável que adotou depois de parar de beber e usar drogas, a aparência jovial que disfarça sua idade. “Não há nada que me distinga da massa.”

Em seu estúdio, montado nos fundos de casa na zona oeste de São Paulo, conserva relíquias que entregam a rodagem da banda, como o primeiro álbum de vinil, gravado em 1986, e o disco de ouro do Acústico MTV, que vendeu mais de 2 milhões de cópias. É lá onde tem passado os dias preparando o novo projeto solo, um tributo ao rock brasileiro com versões de clássicos nacionais. Os shows com o Capital ainda ocupam parte da agenda, mas num ritmo bem menos frenético que a época de turnês incessantes pela estrada. Na entrevista ao EL PAÍS, Dinho defende que o rock precisa recuperar a verve combativa, crítica ao poder. Ele ainda fala sobre o encontro com o “fã” Sérgio Moro, diverge da postura do PT pós-eleição e diz respeitar os roqueiros que tomam partido. “É tolice medir o talento de um artista por suas posições políticas.”

Pergunta. O novo disco (Sonora) remete ao ‘Capital raiz’, mas sem abdicar dos hits. Vocês buscam o equilíbrio a partir do cultivo à essência?
Resposta. Fazer essas duas coisas é tirar o coelho da cartola. Toda banda tem sua personalidade. Respeitamos nossas origens, sem perder de vista o espaço para experimentar novas sonoridades, timbres e arranjos. Quem ouve o disco não diz que o Capital está irreconhecível, mas percebe que estamos diferentes. A melhor coisa do Sonora é ser surpreendente.
P. As parcerias com bandas mais jovens, como Far From Alaska, Fresno e Scalene, servem para estabelecer a conexão com o presente?
R. Como vesti a camisa por toda minha vida, hoje começo a me preocupar com o futuro do rock nacional. Quero passar a bandeira para a geração seguinte. Meu sonho é montar um festival itinerante. Seria um Lollapalooza brasileiro que viajaria por várias cidades. Vejo muito talento na garotada. Há várias bandas que me chamam a atenção. No entanto, falta ao rock um espírito maior de comunidade. Vemos isso com mais força no samba e na música sertaneja. Muitas vezes, o rock se pauta pela rivalidade.
P. O rock perdeu força diante da concorrência com outros gêneros?
R. Quando nós surgimos, havia ainda menos espaço para o rock. Tocávamos para 50 pessoas em Brasília. Pode ser uma questão de sazonalidade. Mas também a falta de um catalisador, um sujeito ou uma banda que consiga pegar o zeitgeist dessa época e verbalizar o que todos estão sentindo. O que houve, por exemplo, com Renato Russo e Cazuza.
P. Como fazer um rock popular sem desagradar aos fãs mais puritanos?
R. O Renato [Russo] me mostrou que é possível escrever boas letras em português para o rock. Antigamente havia certo preconceito, achavam que só era viável em inglês. Eu sempre tive na cabeça a necessidade de fazer um “rock popular brasileiro”. Queria que, quando as pessoas falassem sobre a música popular brasileira, tivessem que falar também sobre nós. O maior legado da nossa geração foi ter contribuído para popularizar o rock no Brasil.


“Confrontar o poder faz parte da essência do rock”
P. Naquela época, já sonhava ter sucesso com a música?
R. Nunca achei que eu fosse chegar aonde eu cheguei. Não tínhamos nenhuma pretensão profissional com a banda. Eu levava como curtição da adolescência. Imaginava que depois eu arrumaria um “emprego de verdade”. Sempre achei que o fim [do Capital] era iminente. Foi só lá pelos 40 anos que eu percebi que viveria do rock.
P. Qual foi o ponto de virada para o Capital Inicial?
R. O Capital experimentou o fracasso depois do sucesso. Nos separamos, mas soubemos aproveitar nossa segunda chance, aprendemos a lição. Paradoxalmente, o fundo do poço nos fez bem. Depois que a banda voltou, a gente não se deixou mais levar pelo entusiasmo dos bons momentos. É tudo efêmero. Eu voltei determinado a não repetir os erros do começo de carreira.
P. Os “primeiros erros”...
R. Exatamente. Essa música [Primeiros Erros], inclusive, é simbólica para o Capital. Ela teve tanto impacto porque fala de algo universal. Todo mundo gostaria de ter uma segunda chance para corrigir seus erros. Eu olhei pra trás e decidi me tornar obcecado pelos detalhes, a ser mais atencioso. A partir da reunião da banda, começamos a produzir um disco a cada dois anos. Em nenhum momento ficamos presos ao passado. Nós valorizamos nossa história, tocamos músicas antigas nos shows, mas estamos sempre de olho no projeto seguinte, em busca de uma reinvenção constante. O Capital não vive de nostalgia.

P. Em 2014, vocês lançaram o álbum Viva a Revolução, inspirados pelas Jornadas de Junho no ano anterior. Esperava que as manifestações de rua ganhassem contornos tão políticos a ponto de servir como termômetro da polarização no país?
R. Não esperava. O que me seduzia naquelas primeiras manifestações é que elas pareciam uma coisa meio anárquica, incendiária, contra tudo e contra todos. Aquilo me remeteu à época da juventude. Eu fui pra Paulista protestar. Teve um momento em que alguém levantou uma bandeira lá no meio e logo mandaram guardar. Não tinha liderança. Até hoje ninguém entendeu direito o que foi aquele movimento. Tenho a impressão de que o Brasil vive perenemente à iminência de uma explosão.
P. Sua família sempre esteve envolvida com a política. Como foi crescer nesse ambiente e experimentar a rebeldia da Turma da Colina, em Brasília?
R. Meu pai abriu a embaixada brasileira em Angola. Pegou malária, escorbuto, viveu Guerra Civil... Na volta, trouxe de recordação umas camisetas com foice e martelo do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola). Minha mãe tinha medo de eu ser preso por sair com elas na rua. Eu fazia mais por provocação. Nossa geração sempre teve o ímpeto de questionar o governo. Eu era criança nos anos de chumbo, pegamos a transição para a democracia. Nós achávamos que a música que a gente fazia era profundamente subversiva.
P. Chegou a se engajar em partidos?
R. Participei de reuniões do movimento secundarista, muito ligado ao Partido Comunista. Mas era de uma ortodoxia que me incomodava. Discussões em termos absolutos, profundamente dogmáticas. Pessoas da minha idade que pareciam comungar de uma certeza que até hoje eu não tenho. Vejo a dúvida como uma virtude, de aceitar o diálogo e não ser o dono da verdade. Sempre me incomodou a falta de liberdade de pensamento. Tem uma frase da música Baader-Meinhof Blues, do Renato [Russo], que eu acho genial: “Pra seu governo, o meu estado é independente”.

“Renato Russo teria se oposto ao Bolsonaro, mas não se alinharia ao PT”
P. Como Renato Russo enxergaria o momento do país se ainda estivesse vivo?
R. Ele estaria bastante incomodado. Certamente teria se oposto ao Bolsonaro, mas não se alinharia ao PT. Eu sempre o vi como uma liderança, um exemplo a ser seguido. Acredito muito em independência intelectual. Foi isso que aprendi com o Renato. Independência e disposição para o confronto ao poder. Não é papel do cidadão bajular políticos. Nosso papel é cobrar dessas pessoas.
P. Você fez campanha para algum candidato nas últimas eleições?
R. Eu me considero progressista, de centro-esquerda, mas tenho dificuldade de me associar incondicionalmente a programas de um partido. Sou independente. Já votei no Lula, mas parei de votar depois do mensalão. Passei a votar na Marina Silva, cheguei a fazer campanha pra ela duas vezes. Acredito na urgência da causa ambiental e concordo com as posições econômicas dela. No segundo turno da última eleição, eu votei no Haddad. Achei que ele estava propondo uma coalizão democrática, já que o extremista é o Bolsonaro. Fui levado a acreditar que o Haddad tinha dado um passo atrás no programa de governo para incluir em seu campo pessoas que não fossem necessariamente petistas, como eu. Mas, depois de levantar a bandeira da democracia, o PT entrou em contradição. Passaram a campanha inteira falando de democracia e mandam a Gleisi [Hoffman] pra posse do Maduro? A Venezuela vive uma ditadura. Se for uma ditadura de esquerda é aceitável? Eu me senti enganado.
“Falta ao rock um espírito maior de comunidade. Vemos isso com mais força no samba e na música sertaneja”
P. Apesar do apoio a Lula e Haddad, nunca se considerou petista?
R. Não sou petista e tenho várias reservas ao partido, mas também sou contra a demonização da obra do PT. A gestão Dilma foi um desastre, é verdade. Só que não podemos ignorar que houve inclusão social nos governos petistas, um legado importante. Para mim, o principal problema do país é a concentração de renda. A violência deriva dessa chaga social brasileira. Mas outra coisa que me incomodava no PT era o culto à personalidade, quase como uma seita. Algo típico de um caudilhismo latino-americano, que vai de Perón [ex-presidente da Argentina] a [Getúlio] Vargas, do Lula ao Bolsonaro, por incrível que pareça. Essa história de “mito”... Que porra é essa?
P. Um contrassenso desses tempos de negação da política e, ao mesmo tempo, idolatria a políticos...
R. Não há nada mais latino-americano do que isso. Estamos sempre esperando um salvador da pátria, uma pessoa iluminada. Confesso que eu também já me deixei carregar por esse culto. Quando o Lula foi eleito, eu falei: “agora vai”. Acreditei várias vezes, como na época que o Brasil se redemocratizou ou do Plano Real. Quando era adolescente, achava que, na idade que tenho hoje, o país já teria superado esses obstáculos.
P. Você já puxou coro contra políticos como Lula, Dilma, Aécio e Temer em shows do Capital, antes de tocar Que País é Esse. Pretende manter o tom crítico ao Governo Bolsonaro?
R. Sem dúvida. Discordo de muita coisa do Governo Bolsonaro, principalmente do núcleo ligado ao Olavo de Carvalho. Estou de acordo com parte da agenda do Paulo Guedes [ministro da Economia]. As contas precisam bater. Mas as reformas econômicas não são suficientes para incluir as dezenas de milhões de excluídos. Em relação ao Sérgio Moro, eu o conheci. Ele foi a um show do Capital em Curitiba, antes da condenação do Lula. Eu disse no palco que ele estava presente e o lugar veio abaixo, todo mundo aplaudiu. Depois conversamos no camarim. Eu via o trabalho dele na Lava Jato como apartidário. Tinha a impressão de que estavam investigando geral, do Lula ao Beto Richa, passando pela cúpula do MDB. Mas o Moro não deveria ter aceitado o cargo de ministro. Soou como se ele tivesse uma agenda em comum com o Bolsonaro.
P. Nesse cenário polarizado, fazer músicas com viés político representa um risco para o artista?
R. Sim. Abordamos temas políticos em nossos discos, mas, como nós não somos partidários nem monotemáticos, temos liberdade para tocar em qualquer assunto nas músicas [faz uma pausa]... Cara, eu tenho um histórico de incomodar a todos. Fui bastante xingado nas redes sociais durante as eleições, por militantes de vários lados. Minha família e até o pessoal da banda pediram pra eu parar de postar, porque viam as pessoas me xingando. Mas eu não me intimido. Que xinguem! Tem gente que ouve as músicas do Capital e votou no Bolsonaro. Porque a maioria das nossas mensagens poderia ser dirigida a qualquer político, a qualquer partido. Confrontar o poder, seja quem for, faz parte da essência do rock.

“O hip hop faz o que o rock fazia nos anos 80 e 90: bate de frente com o poder”
P. O rock ainda pode ser considerado revolucionário?
R. Hoje, o pessoal do hip hop é mais incisivo do que nós. Eles fazem o que rock fazia nos anos 80 e 90: batem de frente com o poder. A polarização do país chegou ao rock. De um lado, temos artistas mais engajados à esquerda, como Leoni, Edgard Scandurra e Tico Santa Cruz. Do outro, mais à direita, Lobão e Roger Moreira. O rock passou a ser um espelho da sociedade brasileira. Nos anos 80, era praticamente uma unanimidade que o problema do Brasil eram os militares. Depois, nos anos 90, havia quase um consenso de que era preciso promover justiça social. O mundo parecia mais simples no passado.
P. Há espaço para posições conservadoras dentro do rock?
R. Entendo que o rock precisa ser audaz e destemido, não pode ser submisso. Por isso, eu não me submeto a um partido ou ideologia. Sou livre pra criticar quem eu quiser. Mas eu acredito na democracia e levo isso ao pé da letra. Tenho que aceitar a diversidade de opiniões. As pessoas vão pegar no pé do Chico Buarque por ser petista? Discordo de muita coisa que ele diz. Para mim, por exemplo, Cuba e Venezuela são ditaduras. Mas ele continua sendo genial. Justiça seja feita, também reconheço o valor do Roger [Moreira] e do Lobão, mesmo discordando da opinião dos caras. É tolice medir o talento de um artista por suas posições políticas.
Capital Inicial surgiu após cisão do Aborto Elétrico, a primeira banda de Renato Russo. DIVULGAÇÃO
P. O Capital pode ser tão longevo quanto Rolling Stones, Kiss e Iron Maiden?
R. A parte mais difícil de uma banda é o entendimento entre quatro indivíduosque convivem há décadas. Uma hora você quer matar os caras [risos]. As pessoas tendem a glamorizar essa vida, mas o sacrifício é inerente à carreira. Perdi uma bela fase da infância dos meus filhos. Agora o Capital já é uma banda veterana. Estamos na trincheira pelo rock e não vamos desistir tão cedo.
P. Fãs da banda brincam sobre sua aparência, dizem que você não envelhece. Existe algo de rejuvenescedor na rotina de um roqueiro?
R. Estranho isso, né? Acho que é sorte [risos]. Vou fazer 55 anos. Mas eu parei com tudo. Parei de beber, fumar, usar drogas... E comecei a correr todos os dias. Não há nada que me distinga da massa.