segunda-feira, 27 de março de 2017
quinta-feira, 23 de março de 2017
O esquecido e genial disco “A sociedade da grã-ordem kavernista apresenta sessão das dez”
Em 1971, um quarteto de músicos praticamente anônimos gravou um discaço recheado de humor e transbordante criatividade. A ideia de “A Sociedade de grã-ordem kavernista apresenta sessão das dez” foi de Raul Seixas, na época produtor da gravadora CBS, que convocou seu conhecido da Bahia, Edy Star, e o capixaba Sérgio Sampaio. Em 1970, Sérgio havia acompanhado o músico Odibar em audição na CBS e ambos tornaram-se parceiros musicais e amigos.
Faltava uma mulher para completar o time e a escolhida foi Miriam Batucada, que era a mais conhecida do quarteto por suas participações em programas televisivos com sua habilidade de batucar com as mãos. Mesmo com várias letras censuradas, o disco saiu e foi distribuído para as rádios e jornais, mas depois de 15 dias foi recolhido pela gravadora CBS sem maiores explicações. O mito de que o disco foi recolhido porque foi gravado clandestinamente e sem conhecimento da gravadora já foi desmentido por Edy Star, único kavernista ainda vivo.
“Nossos encontros eram normais. Algumas pessoas pensavam, e até hoje pensam, que éramos um tipo de sociedade secreta por causa do nome [risos]. Tem quem ache que éramos maçons. Era tudo sempre divertido. Não tinha machismo. Raul era um hetero casado, Sérgio era um hetero namorador, mas um cara mais do samba. Eu era essa bicha enlouquecida e solta na vida, e a Miriam era a fanchona do grupo [gíria para lésbica]” , Edy Star relembra as gravações do disco em entrevista ao portal UOL no ano passado.
“Nossos encontros eram normais. Algumas pessoas pensavam, e até hoje pensam, que éramos um tipo de sociedade secreta por causa do nome [risos]. Tem quem ache que éramos maçons. Era tudo sempre divertido. Não tinha machismo. Raul era um hetero casado, Sérgio era um hetero namorador, mas um cara mais do samba. Eu era essa bicha enlouquecida e solta na vida, e a Miriam era a fanchona do grupo [gíria para lésbica]” , Edy Star relembra as gravações do disco em entrevista ao portal UOL no ano passado.
Alguns discos lançados na época como Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967), dos Beatles, e Freak out! (1966), da banda The Mothers of Invention, liderada por Frank Zappa, inspiraram o experimentalismo do quarteto. Se os gringos faziam a cabeça dos quatro, eles também misturaram música brega, jovem guarda, samba, baião e outros ritmos brasileiros.
Raulzito atravessava uma fase de ostracismo e compunha canções para outros artistas, como a cantora Diana e Jerry Adriani. Se a Philips era a casa dos medalhões da MPB, a CBS, onde Raul trabalhava com produtor, lançava discos de “uma linha mais zé povinho, era a fábrica de ilusões”, define Raul no documentário Dossiê Kavernista de Luiz de Magalhães. Sérgio Sampaio não se conformava em conviver com o vulcão criativo Raul Seixas meio adormecido e o incentivava à retomada de sua carreira de cantor e compositor.
No disco, os dois baianos, um capixaba e uma paulista ironizam o nascente showbiz brasuca em seu principal centro, o Rio de Janeiro. Na faixa “Quero ir”, os músicos estão preparados para abandonar o Rio após o “fracasso”: “eu vou pra Bahia ou volto pra Cachoeiro de Itapemirim”, ou seja, Edy Star e Raulzito voltariam ao seu estado natal e o capixaba Sérgio Sampaio a Cachoeiro de Itapemirim, cidade natal de Sérgio e do rei da Jovem Guarda, Roberto Carlos.
Os dois baianos do quarteto, Edy e Raul, se conheciam há tempos, ainda adolescentes, os papos giravam em torno de rock e James Dean quando Raul era o presidente do Elvis Rock Club. Mais tarde, ambos se trombavam em suas andanças pelas rádios da capital baiana.
Depois do (semi) lançamento do disco, Raul permaneceu por pouco tempo em seu cargo na gravadora CBS e se desligou em 1972. O álbum ganhou diversas reedições ao longo dos anos, sendo a última em 2010 pela Sony Music.
No documentário Dossiê Kavernista, Edy Star relembra que um dos diretores da CBS passou um ríspido sermão sobre os possíveis motivos do fracasso do disco, “não fizemos nada, saímos de lá, fomos queimar um fumo e dar risada”.
sexta-feira, 10 de março de 2017
terça-feira, 7 de março de 2017
7 histórias pouco conhecidas de Renato Russo
Conheça as facetas polêmicas, sensíveis e até cômicas do líder da Legião
Urbana, que morreu em 1996
Por Felipe van Deursen
1.A turma de Brasília
Em 1978, Renato Russo formou o Aborto
Elétrico, ao lado dos irmãos Fê e Flávio Lemos, primeiro fruto musical do grupo
de amigos brasilienses que se denominava a “Turma da Colina”. Com o fim da
banda, Renato Russo viu que podia brilhar sozinho. E descobriu seu poder de
manipulação.
Por Fê Lemos, do Capital Inicial:
“Ainda
nos anos 80 – quando o Renato deu aquela declaração de que ‘pra tocar no
Hollywood Rock é que existem bandas como o Capital’, dizendo que a Legião nunca
faria isso, perguntei a ele sobre a história de Brasília, de termos sidos tão
companheiros, se ele olhava (para trás), se aquilo tinha algum significado pra
ele… Ele falou: ‘Fê, aquilo passou, cara. Já era’.
E
eu ainda era muito apegado àquela história de ‘turma’, de companheirismo, de
ficarmos unidos por um objetivo. De repente, ele já estava muito distante
disso, percebendo o papel e a importância dele – estava bem claro o quão famoso
ele era e que aquela história era só parte do passado. E não adiantava querer
forjar uma aliança baseada no passado porque as condições do presente eram
diferentes.
Nada
ficava ao acaso (para o Renato). Ele sempre planejou e analisou tudo. Outra vez
li na BIZZ que ele disse que uma menina tinha apanhado com um cacetete elétrico
e perdido o filho, por isso a banda se chamou Aborto Elétrico. Encontrei com
ele e perguntei: ‘Pô, por que você falou aquilo? É mentira…’ E ele disse: ‘Não
importa, você tem de inventar!’ São os factóides, né? É saber o que falar para
criar impacto.”
2. Punks de Brasília e punks de
São Paulo
“O Rio parecia um lugar mais família. São
Paulo dava um certo medo”, disse Renato em entrevista à BIZZ em 1989. Apesar de
pesquisar como podia o movimento punk, rasgar camisetas e pintar o cabelo,
Renato Russo tomou um choque quando resolveu ir para São Paulo com a Legião
Urbana a partir de 1982. Em entrevistas, chegou a confessar que “morria de
medo” dos punks de São Paulo. Drogas pesadas e violência eram ingredientes
imprevistos na receita dos amigos de Brasília.
Por Clemente, do Inocentes:
“O
movimento punk, não só pro Renato, mas para todo mundo de Brasília, era coisa
de amigos. Em São Paulo, era coisa de gangue. Lembro que, na época, o Dado
Villa-Lobos apareceu no bar em frente ao (bar punk paulistano) Napalm. Meu,
todo mundo parou de conversar e olhou pra ele querendo dar porrada. Tive de
pular na frente e falar: ‘Calma, gente, ele está comigo!’.
Naquela época, se
você viesse a São Paulo, ia ver os punks de um lado, do outro os metaleiros e
também os new waves. Era tribo mesmo, não tinha nada misturado. Era treta
mesmo, droga rolando, gente se picando, era tudo de verdade. Entre nós e o
pessoal de Brasília, ficaram claras várias diferenças. Quando a gente via os
shows da Legião Urbana, naquela época, tinha um certo choque de propostas. O
pessoal todo que vinha de Brasília tinha outra vida, eram pessoas que já haviam
morado fora do país. E nós éramos um bando de moleques de periferia, eu passava
às vezes duas semanas sem aparecer em casa, enquanto aquele pessoal já tinha
mais estrutura familiar. Claro que muita gente daqui olhava para a Legião com
nariz torcido, nem tinha como ser diferente.”
3. Homossexualidade
Apesar de já insinuada em “Soldados” e “Daniel
na Cova dos Leões”, a homossexualidade de Renato só foi assumida publicamente
em 1990, em um Entrevistão da BIZZ: “Eu estava precisando me assumir havia
muito tempo. Mas fica aquela coisa, filho de católico, ‘você é doente’ etc. (…)
Sei que sou assim desde os 3, 4 anos”. Curiosamente, o que não era novidade
para amigos e colegas músicos só foi informado à família Manfredini poucos
meses antes do público. Dona Maria do Carmo, a Carminha, sustenta que o cantor
era bissexual (“O que é bem diferente de ser homossexual”) e que nunca havia
desconfiado da orientação do filho famoso até aquele almoço marcante.
Por Dona Carminha Manfredini, mãe de Renato
Russo:
“Era um dia de semana
qualquer, sem nada de especial, no final dos anos 80. Me lembro que eles
lançavam o disco As Quatro Estações [1989]. Estávamos na cozinha de casa,
apenas nós dois, preparando o almoço. O Júnior veio, me deu um beijo e falou:
‘Mãe, preciso conversar com a senhora’. Fiquei tão feliz – pensei que ele
finalmente anunciaria seu noivado com uma namorada que ele tinha já havia muito
tempo. Mas ele afirmou: ‘Não vou me casar com ela. Vou me assumir. Quero me
relacionar com homens e mulheres’.”
4. Tretas com a gravadora
Num caso raro na indústria fonográfica, todos
os discos da Legião Urbana foram lançados pela mesma companhia, a multinacional
inglesa EMI. As regalias (como adiantamentos vultosos e liberdade total no
estúdio) eram recompensadas com vendas gordas: até 1996, foram quase 5 milhões
de cópias e, desde então, mais alguns milhões em trabalhos póstumos.
Entretanto, a relação azedou em 1991 quando, sem material novo para lançar, a
gravadora conspirava publicar uma coletânea de sucessos do grupo.
Por Jorge Davidson, ex-diretor da EMI:
“A
EMI precisava lançar algo da banda. E queria fazer uma compilação, uma
coletânea de sucessos. Fizemos então uma reunião, tarde da noite, na sede da
companhia, em Botafogo, para tentar selar a paz. Parecia tudo certo ao final,
mas eles saíram dali pichando as paredes, da sala da presidência às escadas…
Eles
eram muito desconfiados. A partir do momento em que assinei com a banda, em
1984, eu vivia contando com a possibilidade de eles fazerem como os Sex Pistols
e rescindir o contrato antes mesmo de estrear em disco… Mas, pensando bem, até
que minha experiência com eles foi muito agradável, com exceção desse
incidente. O Renato sempre foi respeitoso em relação à EMI. Era o Bonfá que o
impulsionava a fazer malcriação.
Renato Russo foi o artista
mais importante de sua geração. Quando os Paralamas estavam gravando o primeiro
disco, Cinema Mudo (1983), eu estava adorando a música ‘Química’ e perguntei ao
Herbert: ‘Essa é tua também?’ E ele me disse: ‘Não, essa é do Renato. Ele é
tudo o que eu gostaria de ser’. Pô, o cara era foda e queria ser o outro!
5. O lado comédia
Renato podia falar por horas de poesia,
cinema, pintura e clássicos do rock. O que só seus amigos mais íntimos
conheciam era seu senso de humor trash e seu lado cafona (este, um pouco mais
célebre graças às covers de Menudo e do disco Equilibrio Distante). Um desses
amigos era o ator Maurício Branco.
Por Maurício Branco, ator:
“Renato
era o meu melhor amigo – e um cara muito preocupado com os amigos. Renato
ficava muito sensível a tudo o que acontecia no mundo. O cúmulo foi quando as
revistas noticiaram que a Xuxa estava com depressão. Ele virou pra mim e disse:
‘Tô tão chateado, Maurício…’ Eu não agüentei e tive que dizer: ‘E o que você
tem a ver com isso?’ (risos).
Quando
estava de bom humor, Renato era ótimo. Ele gostava muito de rir. Nas festas que
promovia em casa, era muito comum ele interpretar um personagem, uma suburbana…
Era muito engraçado vê-lo falando como uma lavadeira! Além do mais, ele gostava
de passar um filme brasileiro de sacanagem e de me ouvir cantando ‘Justify my
Love’, da Madonna, com meu inglês macarrônico.”
6.Aids
Renato assumiu sua homossexualidade durante
uma viagem aos EUA em novembro de 1989 – quando conheceu o circuito gay
americano, como a Christopher Street de Nova York e o Clube Castro de São
Francisco. Em Nova York, iniciou seu relacionamento mais duradouro, com o
americano Robert Scott Hickmon (“loirinho, cara de estivador”, “um gay de
carteirinha”, conforme explicou à extinta revista gay Sui Generis). Com ele,
entrou em sua fase de consumo de heroína. Na mesma viagem, também reencontrou
uma velha amiga, Leonice Coimbra. Ela seria uma das primeiras a saber, alguns
meses depois, que o artista havia contraído o vírus da aids.
Por Leonice Coimbra, artista plástica:
“Lembro
exatamente do dia em que Renato me disse que tinha o HIV. Estávamos em
Brasília, em 1990. Ele foi até minha casa. Abri a porta, ele me abraçou e me
disse que estava positivo, que estava com aids. Eu soube desde o início, ele
estava com o exame na mão. Era uma situação complexa, um choque para ele e para
qualquer pessoa, porque era como se Renato, naquele momento, descobrisse que
estava com os dias contados. Na hora, só pensei em como poderia ajudá-lo.
Pouco
tempo antes de ele descobrir que tinha o vírus, nos encontramos em Nova York,
no final de 1989. Meu marido havia ido a uma assembléia-geral na OEA
(Organização dos Estados Americanos), em Washington. Fui junto e resolvemos
ficar mais três meses. Eu e meu marido alugamos um apartamento e, logo depois,
o Renato foi até lá e pediu para morar com a gente. A gente fazia vários
passeios, andávamos no Central Park, íamos a livrarias.
Lembro
que era inverno em Nova York, um frio horroroso. Teve um dia em que estávamos
no West Side, andando por uma daquelas ruazinhas e, de repente, encontramos um
mendigo numa praça. Ele estava com uma placa na qual se lia que ele tinha
perdido o emprego, a casa, a família, vivia nas ruas e estava com aids. Na
época, não havia esse fantasma na vida do Renato. Mesmo assim, ficou muito
comovido, foi até lá e deu 100 dólares ao mendigo.
Naquela época, Renato
se envolveu com Robert Scott Hickmon, que não cheguei a conhecer – ele apareceu
depois que fomos a Washington e quando o Renato foi ao Rio. Não lembro se ele
me disse se pegou o HIV do Scott ou não (em matérias publicadas na imprensa,
atribuiu-se a Leonice a declaração de que ‘Renato tinha certeza que havia pego
HIV do Scott’ e que o namorado anterior do americano era doente terminal de
aids e de que Renato teria se envolvido com ele sabendo disso). Se tenho um
amigo que está com esse tipo de problema, isso na hora não é importante. Só
pensei em ajudá-lo, não importava de quem tivesse pego o vírus.”
7. A última briga
Quando A Tempestade (Ou o Livro
Dos Dias) foi lançado, em setembro de 1996, já se alastrava o boato de que
Renato estaria doente. Dizia-se que o clima no estúdio tinha sido tão pesado
que as gravações foram terminadas apenas por Dado Villa-Lobos. “Foi uma questão
musical que descambou para o pessoal”, explicou na época. “Renato às vezes não
sabe lidar com as pessoas.”
Por Dado Villa-Lobos
“Entramos
em estúdio pela última vez em março de 1996. Renato estava um tanto ansioso e
com muita vontade de botar tudo para fora. Tanto que a gente planejava lançar
um álbum duplo (a segunda parte sairia em 1997, como Uma Outra Estação). Fomos
até junho, gravando todo dia. Eu estava produzindo, então tinha de coordenar
pessoas e horários.
A
voz do Renato vinha fraquejando, mas ele estava bem, comunicativo – era bom
para ele estar no estúdio. Mais para o fim, ele foi ficando de saco cheio, as
variações de humor eram muito grandes. Sua saúde debilitada lhe dava um grande
mal-estar.
Estava
tudo no esquema até que a gente brigou. Ele com sangue italiano, eu também… Ele
vinha questionando meus métodos de mixagem… Até que um dia, Renato chegou e
disse: ‘Ó, fiz a minha parte, vai aí e mixa o disco!’. Aí foi um mês dando gelo
nele e ele me dando um gelo. A mixagem foi feita sem corpo presente – a gente
ainda se falou por telefone, mas ficou aquela coisa mal-resolvida.
Eu
não sabia que o Renato estava naquele ponto (da doença). As notícias da ciência
eram boas, ele estava tomando o coquetel. A gente só se falava por telefone,
tarde da noite – Renato falava puto, revoltado, mas vibrante. A Tempestade saiu
e logo depois ele morreu. Fomos pegos de surpresa pelo comunicado. Ouvindo o
disco, a gente vê como era claro esse caráter de adeus. Algo que nós só
perceberíamos depois.”
Depoimentos a: Cristiano Bastos (dona Carminha
Manfredini); Paulo Terron (Fê Lemos); Ricardo Schott (Clemente, Leonice
Coimbra); Sílvio Essinger (Dado Villa-Lobos, Jorge Davidson, Maurício Branco)
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