Em
1995, o Cantor Leoni (ex-Kid Abelha e ex-Heróis da Resistência) lançou um livro
intitulado "Letras,
músicas e outras conversas". Nele Leoni faz
entrevistas com sete artistas, focando em questões sobre composição, são eles Renato Russo, Marina Lima, Lobão,
Roberto Frejat, Samuel Rosa, Adriana Calcanhotto e Nando Reis, Este livro foi lançado
pela editora GRYPHOS.
Segue abaixo trechos da entrevista com Renato
Russo.
Leoni: Fale sobre "Acrilic on canvas"? Você pinta?
Renato Russo: Não. Aquilo lá eu peguei com minha irmã. Tive a idéia de fazer uma música que traçasse esse tipo de paralelo. Inclusive pela estrutura que fica a vida inteira repetindo:(canta a linha de baixo). Esse tipo de base permite a você extrapolar. Pude escolher a métrica que queria, pude fazer brincadeiras e tudo e depois inventar uma linha vocal. É paraa mesma menina de "Ainda é cedo". Perguntei pra minha irmã a lista de material de pintura dela, peguei até a relação dos nomes das flores para o final. Tinha uma lista enorme e escolhi os mais bonitos: "não te esqueças de mim" e "amor-perfeito".
Escrever a letra foi muito
prazeroso, mas a parte musical não ficou tão
rica. A parti daí preferi trabalhar mais a parte
musical e deixar as letras um pouco de lado. As pessoas até falam que as letras do "Dois" são lindas. Se eu quiser consigo escrever utilizando aquele mesmo formato. Mas isso não me
interessa mais.
Leoni: Eu gosto muito de delimitar, dar
nomes, marcas, e
você?
Renato Russo: Eu acho importante, mas não
uso em todas porque gosto de deixar a música bem em aberto. De poder ter aquela situação de ouvir a música 10 anos depois, indepependente da instrumentação ter envelhecido, a letra
está escrita de uma maneira que você vai se identificar. Tem
letras que eu sei que se tivesse feito
referências as coisas daquela época hoje em dia ia precisar de nota de rodapé. O importante é falar sobre uma situação que esteja acontecendo e
falar sobre isso... É a diferença por exemplo
entre "Perfeição" e
o "Haiti" do Caetano. Aquela música vai
envelhecer. O que vai acontecer é que
talvez seja uma
música histórica. Claro, ele está falando de
certas situações ali que não vão mudar tão cedo. Mas fala
especificamente de Carandiru, dos 100 presos... Daqui a pouco as pessoas vão ouvir e não vão ter o contato emocional com aquilo porque não é mais
uma coisa presente ao passo que "Perfeição" que trata do mesmo assunto diz: "Vamos celebrar a estupidez do
povo, vamos celebrar
nossa polícia...". Não fica bem claro do que é que estou falando.Tem uma música que é mais específica, mas que tentei mudar um pouco. É "A fonte", que fala uma coisa do "homem tocha".
Isso foi aquele linchamento: Pegaram um menino
tocaram fogo lá em
Vilar dos Teles, eu acho. Nem me lembro mais.
Se eu tivesse sido mais específico, ia perder muito.
Depois descobriram que o garoto não tinha feito nada. Ele estava passando por lá. Tacaram fogo no garoto e as crianças ficaram gritando: " Olha o homem tocha, olha o homem tocha..." A música é um pouco sobre isso. Sempre volta aquela
confusão: Será que
tenho que reagir a isso, ficar realmente
indignado? ou será que ignorar para levar minha vida adiante?
"O que há de errado comigo? Não consigo encontrar abrigo,
meu país é campo
inimigo, você fingi que vê , mas não vê...".
Mas aí eu peguei o meu dicionário de simbolos e olhei "A
fonte". Descobri essa mitologia maravilhosa, a coisa do cipreste branco. aquilo tudo é um
mito. No inferno, Hades, existe duas fontes:
uma é água do conhecimento; outra é ruim,
você não pode beber. Eu um pouco metido sabe?
(risos).Tem certas
coisas que ficariam melhor em livro do que em
música... no caso de "A fonte" acho que a música não funcionou... não conseguimos arrumar o
arranjo.
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