Exatamente 25
anos após a morte de Raul Seixas, é divulgado um áudio em que ele conta
detalhes das torturas que sofreu durante três dias, em 1974; ele
relatou, entre outras coisas, que ficou em um local subterrâneo, com
limo, que apanhou e levou choques "em lugares particulares"; também
conta que foi levado a um aeroporto e mandado para os Estados Unidos; só
voltou ao Brasil porque o LP Gita se tornou um sucesso.
Por Edgard Matsuki
Raul Seixas morreu no dia 21 de agosto de 1989, vítima de
complicações de uma pancreatite aguda. Exatamente 25 anos após a morte
do pai do rock brasileiro, um áudio do ano de 1988 mostra uma entrevista
em que Raul Seixas conta detalhes das torturas que sofreu durante três
dias no ano de 1974.
A entrevista foi concedida ao jornalista André Barbosa, na extinta
rádio FM Record de São Paulo. De acordo com Barbosa (que cedeu o áudio
de seu arquivo pessoal), essa foi a primeira e, provavelmente, a última
vez que ele falou sobre a prisão pelos militares em uma gravação. “Ele
nunca tinha comentado sobre o assunto”, diz.
O áudio mostra o momento da entrevista em que ele foi indagado em
relação aos planos que tinha de construir uma sociedade alternativa e
sobre a prisão dele. Raul suspirou e começou a contar a história.
Raul relatou, entre outras coisas, que ficou em um local
subterrâneo, com limo, que apanhou e levou choques "em lugares
particulares". Do local da prisão, ele também conta que foi levado a um
aeroporto e mandado para os Estados Unidos.
Só voltou ao Brasil porque o LP Gita se tornou um sucesso:
"Veio o Consulado Brasileiro no meu apartamento. Era quase em dezembro
de 1974. Bateu na porta do meu apartamento dizendo que eu já podia
voltar. Que o Brasil já me chamava, que eu era patrimônio nacional e que
tava vendendo disco". Raul disse que voltou só porque "estava com muita
saudade".
Ouça o que Raul Seixas disse sobre a prisão, tortura e exílio em 1974:
http://www.ebc.com.br/sites/default/files/null/3_raul_fala_da_prisao_na_ditaduta_2.mp3
Ouça o que Raul Seixas disse sobre a prisão, tortura e exílio em 1974:
http://www.ebc.com.br/sites/default/files/null/3_raul_fala_da_prisao_na_ditaduta_2.mp3
"Em
1974, eu estava com a Sociedade Alternativa, essa ideia estrutural, com
os parâmetros todos desenvolvidos. Estava em uma época esotérica,
frequentando tudo, participando de tudo, escrevendo para John Lennon.
Não sabia que iria me encontrar com ele. Também não sabia que eu ia ser
expulso do Brasil. Ordem de prisão do 1º exército!
Ia ser doado para mim, por uma sociedade
esotérica egípcia de Aleister Crowley, um terreno em Minas Gerais. E
esse eu acho que foi o cume, culminou aí. Eu ia construir uma cidade,
uma anticidade, o antitudo, o antiguarda. Ia fazer uma cidade modelo.
Estávamos tão loucos pela ideia. Eu, Paulo Coelho, tinha um advogado,
tinha um juiz. Tinha pessoas importantes de cada área na sociedade
alternativa.
Então foi tudo desativado porque eu fui
expulso para Nova York. Fiquei um ano exilado do Brasil, sem poder
voltar. Eu fui pego na pista do Aterro [do Flamengo, no Rio] quando eu
voltava de um show. Um carro do Dops barrou o meu táxi e eu fiquei nu
com uma carapuça preta na cabeça. Fui para um lugar, se não me engano,
Realengo. Eu sinto que foi por ali, Realengo. Um lugar subterrâneo, que
tinha limo. Eu tateava as paredes e tinha limo.
E vinham cinco caras me interrogar.
Tinha um bonzinho, um outro bruto que me dava murro, um que dava choque
elétrico em lugares particulares e tudo. Eu fiquei três dias lá. Sabe,
cada um tinha uma personalidade. Era uma tortura de personalidade. Eu
não sabia quem vinha. Só sentia pelos passos. Eu pensava, era o cara que
batia. Era o cara que tem o...
Após três dias, eu estava no aeroporto.
Já tinha deixado o LP Gita gravado e não sabia que ia fazer sucesso
sozinho. Não sabia que ia estourar. E ele estourou. Acho que tocou umas
seis faixas. Uma por uma. Gita, Sociedade Alternativa, Medo da Chuva...
foi um disco que foi muito explorado. Então, eu estava lá nos Estados
Unidos. Já tinha encontrado com John Lennon, já tinha corrido o país,
era casado com uma americana na época. E tinha cantado com Jerry Lee
Lewis em Memphis, Tenesee. Ele me acompanhou de piano.
Tinha transado [feito muitas coisas] um
bocado nos EUA quando veio o Consulado Brasileiro no meu apartamento.
Era quase em dezembro de 1974. Bateu na porta do meu apartamento dizendo
que eu já podia voltar. Que o Brasil já me chamava, que eu era
patrimônio nacional e que tava vendendo disco. Cinicamente, o cara falou
assim.
É, eu voltei. Tava com muita saudade.
Voltei para o Brasil e vi o disco Gita estourado aqui. E foi mais ou
menos assim aquele ano de 1974. Mas tudo bem. Eu me refiz, graças a
Deus, não fiquei com trauma psicológico nenhum e acho que as coisas se
processam dessa maneira."
(*) Fonte: Portal EBC / Portal 247