terça-feira, 3 de março de 2015

Bandas de rock conquistam espaços e público no Rio

Geração unida sob a hashtag #acenavive junta profissionalização e capacidade de articulação na internet

Por Leonardo
Lichote



















Eles se reúnem, planejam estratégias de ocupação da paisagem musical carioca e têm um traço estético comum - que pode ser resumido numa palavra de significado amplo, "rock". Dessa forma, conseguiram impulsionar uma agenda constante de eventos por toda a cidade (como o Imperator Novo Rock, no Méier, que reúne uma média de 500 pessoas em cada uma das edições mensais); cavaram seu espaço na Rádio Cidade (dedicada ao segmento); e criaram uma rede (espaços, fãs, produtores, artistas) que viabiliza a carreira das bandas envolvidas. Sua articulação, porém, não é a de um movimento, com princípios e ideias expostos num manifesto. Ela é descentralizada, espalhada, seguindo a lógica organizacional da web. O fato de ter uma hashtag como nome evidencia isso: #acenavive.

As bandas - dez delas estão representadas na foto acima, mas sob a hashtag se agrupam cerca de cem - têm origens em diversos lugares do Rio: Olaria, Coelho Neto, Barra, Ipanema, Niterói, Lapa, Maré, Mendes, Tijuca, Botafogo... Suas histórias e trajetórias são independentes e se cruzaram sob a mesma "#" há cerca de três anos, quando o produtor Felipe Rodarte (dos estúdios Toca do Bandido e Soma) propôs as primeiras reuniões entre eles.

- Eu era procurado por muitas bandas por conta das minhas produções (Érika Martins, Lafayette & Os Tremendões) e dos estúdios - lembra Rodarte. - Resolvi então que deveria apresentar as bandas umas para as outras. Criar um vínculo real. Começamos a fazer reuniões no Soma, com cinco bandas no início: Folks, Canto Cego, Stereophant, Nove Zero Nove e Drenna. Porque antigamente você tinha um modelo de mercado no qual as gravadoras fomentavam essa renovação, hoje não tem isso. Viemos nesse gap. Ter um estúdio como a Toca, um bom engenheiro, é fundamental para #acenavive. As bandas passaram a entender o novo formato do mercado, a dinâmica de formação de público, a importância das redes sociais.

A ideia da criação de um vínculo real, somada à consciência da necessidade de profissionalização e do poder de ação num mercado que é tocado mais pelas pequenas iniciativas do que pelos grandes orçamentos, fortaleceu o grupo. Hoje sua rede de palcos inclui eventos como Speed Rock, Subúrbio Alternativo, Toxic Fest, Live Animals, Folks Convida, Guadalastock, Rock no Porto, Rock na Feira, Odisseia Para Todos, Favela Rock Show, Matriz Live Sessions, Sunday Rock e Som da Cena. O espaço conquistado no Imperator Novo Rock - que numa de suas oito edições chegou a reunir mais de 700 pessoas - também é fruto dessa organização.


- Quando começamos a fazer o Imperator Novo Rock sabíamos da existência de um núcleo que se intitulava #acenavive, mas não pensamos neles - conta Paulo Lopez, produtor do evento e gerente do centro cultural do Méier. - Nossa primeira edição teve a Drenna, mas também o Tipo Uísque, que não é do grupo. E metade das bandas que já passaram pelo evento veio do #acenavive, porque elas vêm com a qualidade do som, a organização, mais maturidade, letras bem acabadas, boa atuação nas redes sociais, fotos de divulgação profissionais, clipes... Isso se reflete também em público, eles levam os fãs deles e, mais do que isso, o público que está interessado nas bandas da cena. Porque eles se frequentam, uma banda faz cover da outra, chama para participações especiais.

O grupo articulado em torno da hashtag já atraiu a atenção do compositor Marcelo Yuka. Ele participará como produtor de duas faixas do disco do Canto Cego, que sairá pela Warner (marcando a entrada do #acenavive no universo das grandes gravadoras). Yuka é um entusiasta da "capacidade de fazer barulho" do grupo:
- Uma cena só se configura se um protagonista estiver se comunicando com o outro. É o que eles estão fazendo. E toda vez que isso acontece eu quero estar, não quero nem saber que tipo de música é, com exceção do sertanejo. A força está na criação de um lugar comum, não em trabalhar pensando no próprio umbigo.
Outras bandas estão com disco no forno, como Folks, Facção Caipira, Stereophant e Nove Zero Nove. E uma coletânea está sendo produzida com dez bandas do #acenavive, com lançamento previsto para o mês que vem.

- A ideia é distribuir a coletânea de graça, em ações direcionadas, shows, colégios, assim como os sertanejos fazem - adianta Rodarte, citando os representantes do mesmo gênero citado por Yuka e mostrando que, se eles não interessam a alguns como referência musical, são exemplo por sua capacidade de articulação (assim como se pode evocar um verso do funk para sintetizar sua lei: "Se eles lá não fazem nada, faremos tudo daqui").

A existência de estúdios, palcos, público e produtores cria o terreno fértil para a cena. E seus articuladores sabiam que um espaço no rádio para divulgar essas bandas também era importante (um paralelo imediato é feito entre a Fluminense e a cena do rock dos anos 1980). Por isso, aproveitaram a oportunidade, e com sua capacidade de mobilização na rede, comandaram a campanha pela volta da Rádio Cidade. A emissora abriga hoje o programa "A vez do Brasil", que abre espaço para bandas novas, como as do #acenavive.
Pamella Renha - produtora da Rádio Cidade e apresentadora do "A vez do Brasil", ao lado de Paulo Oliveira e Pedro Fernandes - acredita que o rádio ainda cumpre um papel importante na popularização de uma cena.

- É mais fácil alguém te apresentar coisas novas do que você sair procurando. É claro que muitas pessoas pesquisam, respiram e fazem música 24 horas por dia, mas para a grande massa o rádio pode cumprir esse papel. Nossa ideia é fazer uma grande curadoria e dar oportunidade a essas bandas para que busquem o seu espaço no mercado radiofônico. Já pensou quando todos os dinossauros do rock se forem? Quem irá substituí-los?

O pensamento estratégico na relação com a mídia tradicional (seja ela uma rádio ou um jornal) é visto como "uma guerrilha sem revolta", nas palavras de Rodarte. E anda em paralelo com a atuação eficaz que o #acenavive adota na web.
Mas, por trás da estratégia, há o relacionamento entre as bandas, que se dá cotidianamente.
- Tudo vem de uma perspectiva da rua. Há um convívio real, os pontos de encontro. Num desses lugares, o Durango's, em Botafogo, as bebidas levam o nome das bandas da cena. Os artistas do #acenavive criaram um grupo de 120 pessoas pra fazer um campeonato de futebol - conta o produtor. - Há vários exemplos. Outro dia o Facção Caipira estava precisando de um roadie, e o guitarrista do Clashing Clouds fez o serviço na camaradagem. Um cuida do outro o tempo inteiro. Todos querem ter um lugar ao sol, mas a visão da conquista é coletiva.

As falas dos artistas carregam essa consciência: "As bandas não vivem simplesmente pra tocar, mas também para produzir, dialogar sobre produção e empreender" (Keops, do Medulla); "Queríamos produzir eventos juntos, socializar nossos contatos e chamar outras bandas para entrar nesse clima de compartilhar o público, a divulgação, as despesas" (Magrão Kovok, do Canto Cego); "#acenavive não é uma produtora ou empresa, é a vontade de bandas que nasceram em uma época onde precisam, ao mesmo tempo, ser suas próprias produtoras, empresárias, roadies, profissionais de marketing, agentes" (Mauricio Kyan, do Nove Zero Nove).


A ideia de aquecer o cenário e permitir que todos consigam seu lugar aproxima as bandas mais que suas afinidades musicais. Se o guarda-chuva do rock é capaz de abrigar a todos, as variações da sonoridade e das influências de cada um deixam claro que há diversidade sob a hashtag única. O Medulla flerta com afrobeat, rap e psicodelia; o Canto Cego lista referências que incluem Elis Regina, Cássia Eller, Queens of the Stone Age, Radiohead, Lenine e Jimi Hendrix; o Re-Volt aponta para o grunge; o blues e o country formam a base da Facção Caipira.


- É a melhor safra de bandas de rock no Rio em muitos anos - avalia Paulo Lopez. - O Imperator reconheceu isso e a coisa está acontecendo lá. Se Circo e Fundição abraçarem, vai crescer mais. Essa geração do #acenavive e de outras bandas como Beach Combers pode dar muitos frutos para o rock brasileiro.

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