terça-feira, 26 de julho de 2016

eNTrevistão: Oswaldo “Rock” Vecchione (Made in Brazil)

Quarenta e oito anos é estrada a dar com pau!
eNTrevista cedida ao 
AZOOFA


Sentado à mesa do extinto Garage Studio com a lenda Oswaldo “Rock” Vecchione, que compartilhou boas doses da vivência que só a experiência de ter uma banda de rock há quase meio século faz acumular – sob a cuidadosa supervisão de seu irmão, Celso “Kim” Vecchione, o homem da memória impecável – vi figuras de peso entrarem na sala e se juntarem ao time, como Sérgio Hinds (O Terço), Johnny Boy (Raul Seixas, Walter Franco, Sérgio Dias, Ira!, entre outros), Clemente (Inocentes) e Theo Werneck. O diálogo foi mais ou menos assim:

AZOOFA - Tudo começou por aqui, mesmo, na Pompeia. Qual a importância desse bairro para o rock n’roll paulistano?
Tinham bairros sem nenhuma banda de rock, aqui tinham várias. Em uma certa época, no começo dos anos 70, tinham quatro bandas que excursionavam pelo Brasil levando o rock. Uma delas era do Rio, que era o Terço. As outras três eram da Pompeia: Os Mutantes, o Tutti-Frutti, que a Rita veio trabalhar depois que saiu dos Mutantes, e o Made. Depois apareceram no circuito o Casa das Máquinas, os Pholhas. Mas tanto os Pholhas como o Casa das Máquinas eram bandas de baile, que tinham um set de rock legal e que resolveram investir nesse set. O oposto do Made, Rita Lee e Tutti Frutti, que são músicos focados no rock, que começaram no rock e tão no rock. A Rita saiu um pouquinho pra fazer um lance mais rock pop, mas é lógico que tem toda uma referência dentro do rock.
Você é o único que não deixou a banda nem por poucos meses, desde a fundação. Nenhum outro projeto – até em outras áreas –  te seduziu a ponto de largar o Made, mesmo que temporariamente?
Dentro do Made eu trabalhei com muitas coisas. Fui forçado a virar produtor de shows, por exemplo. Quando a gente parou de gravar com multinacionais, como nos quatro primeiros discos, que são da RCA (hoje em dia o catálogo está com a Sony), e nos três seguintes, que são da RGE, que não era uma multinacional, mas era uma gravadora de médio porte no Brasil, a gente resolveu investir. Numa certa época – quando o Made mais trabalhou, mais ou menos até lançar os dois Piratas (discos ao vivo) –, de 75 a 89, eu fui produtor de 60% dos shows. O restante eu vendia. Era assim: se a gente tinha algum produto novo, um disco ou um show e queria tocar, sei lá, em Campinas, em Porto Alegre, em Belo Horizonte, ou em Blumenau, eu tentava vender. Se eu não conseguisse, dava um pulo na cidade, alugava um espaço que poderia ser um ginásio, um teatro, um auditório ou um salão grande de um clube e produzia. Eu tinha um esquema de uma gráfica forte por trás, um pessoal que colava cartazes pra mim aqui ou em qualquer lugar. Uma vez foram colar cartaz pra mim no Rio de Janeiro e lá não tinha esse esquema. Os cariocas se assustaram quando o Made chegou. Era pra lançar o Banana (disco de estreia, homômino, apelidado pelos fãs e pela banda de O Disco da Banana), a gente ficou duas semanas no Teatro Tereza Rachel e já chegou importunando! O cartaz dizia: “Não acreditamos que o carioca não gosta de rock!”. Aqueles puta lambe-lambes na parede… Nossa Senhora! Mas foi legal, foi uma temporada que rendeu casa cheia. Isso era legal pra divulgar o show, mas também foi um tiro no pé no show Massacre, em 77. De um dia pra outro cinco mil cartazes na rua, com um tanque de guerra esmagando a palavra “Massacre”. Era pra esmagar umas cabeças, mas no final a gente resolveu tirar as cabeças e colocar a palavra “Massacre” e o tanque andando em cima. Isso aí nos rendeu o cancelamento da tour e a apreensão do equipamento.
Por conta dos cartazes?
Lógico! Ditadura, governo militar, censura. Eu aluguei o Teatro Aquário, que era, dos particulares do Brasil, o maior, eu acho. 1400 ou 1600 lugares. Minha memória não tá tão boa, mas de qualquer jeito era o maior que tinha e aluguei pra duas temporadas, duas semanas. A gente levou o equipamento na segunda, montamos na terça, na quarta fizemos o ensaio geral e na quinta começava a temporada. Quinta, sexta, dois shows no sábado, dois no domingo e na outra semana a mesma coisa. Na quinta-feira, o (ator) Altair Lima – que era dono do teatro – me ligou, quase chorando, as quinze pras seis da manhã. Ele falou: “Oswaldo, pelo amor de Deus, cara, o que vocês fizeram? Os caras interditaram a rua! O teatro tá lacrado!”. E com o nosso equipamento dentro! O Altair produzia peças infantis de sábado e domingo, então o prejú que a gente ia levar ia ser dobrado pra ele. Não era nem oito horas da manhã e a gente já tava no teatro com ele e ele apavorado, branco com o lábio roxo. Pensei que ia ter um infarto! Ele falou: “Não, cara, vocês têm que dar um jeito! O que vocês fizeram? Acho que foram esses cartazes, vocês sujaram a cidade! Quantos cartazes vocês colocaram?”. Eu falei: “Botamos cinco mil e ainda tem dois mil guardados pra semana que vem.”. Ele disse: “Não, não bota mais nenhum!”. 
Você ainda tem esses cartazes?
Não, tenho só o arquivo. Depois virou a capinha do disco. Aliás, esse ano a gente lançou o Massacre em vinil.
Isso que eu ia te perguntar agora! Foi censurado na época, saiu em CD em 2005 e esse ano com uma tiragem de trezentas cópias em vinil, é isso?
Trezentas cópias, pra colecionador. Disco colorido, numerado.
Do jeito que era pra sair na época! Eu ouvi dizer que vai sair um Massacre Vol. 2. Como vai ser isso?
Já estou negociando. Eu arrumei um arquivo de um show no Rio, com o Wander Taffo na terceira guitarra, junto do meu irmão e do Dudu Chermont, o Percy Weiss (segundo vocalista da banda, falecido este ano) nos vocais, eu no baixo e o Juba, que depois saiu do Made e foi pra Blitz, na batera. Além disso, tem cinco sobras que estão no CD, mas não entraram no LP, porque vinil é aquela coisa, dezessete minutos e meio de cada lado, senão perde a qualidade. Então o lado A do Vol. 2 provavelmente terá essas sobras e o lado B será o melhor dessa uma hora e vinte, uma hora e vinte e cinco minutos que eu tenho desse show.
Sai esse ano, ainda?
Não. Provavelmente sai pros cinquenta anos do Made. Tô negociando com o Danilo (Guedes), da Mafer Records, que fez com o maior capricho essa tiragem do Massacre, ou lançar em LP um desses discos com material inédito que a gente só soltou em CD, tipo o Sexo Blues e Rock n’Roll e o Rock de Verdade, um daqueles acústicos ou algum material com o Cornelius (Lúcifer, primeiro vocalista da banda, falecido em 2013) cantando. Ele até me pediu isso, pra gente soltar um disco do Made em tributo ao Cornelius. Eu tenho muita coisa em VHS. Já comecei a levantar esse arquivo pra depois dar uma masterizada no áudio e ver se é possível mesmo lançar um LP tributo à ele.
A banda possui várias influências, mas podemos dizer que Rolling Stones foi o ponto de partida do Made in Brazil?
Eu acho que foi o ponto de afirmação, porque a gente não tocava só Stones, tocava Kinks, Animals, Yardbirds…
Oswaldo, por que você resolveu assumir o vocal da banda por completo no disco Minha Vida É Rock ‘n’ Roll? Seus vocalistas te davam muita dor de cabeça?
Eu comecei como segundo guitarrista, meu irmão sempre foi o primeiro. Ele que me ensinou a tocar, inclusive. De 1967 a 1972, início de 1973, eu fiquei nessas. A gente teve uma fase em que o nosso baixista na época, o Alberto, vazava quando chegava o verão e a gente era obrigado a botar um segundo baixista pra cumprir a agenda de shows na temporada. Ele simplesmente ia viajar, não queria nem saber! E em 1972 a gente começou a compor o que viria ser futuramente o material do Banana, mas o Alberto não sentia firmeza. Ele não achava que a banda tinha que investir em músicas em português. Ele achava que, como a gente tocava os mega sucessos de todo mundo, não ia ter material próprio à altura do que o pessoal fazia lá fora. Erro dele. Aí chegando o verão, a gente já sabendo que ele ia abandonar a banda, resolvemos procurar um baixista pra colocar no lugar dele em definitivo. E testamos um, testamos dois, teve um que fez até um anúncio publicitário com a gente mas acabou nem ficando no Made, o Rafael. Aí meu irmão falou: “Se a gente não arrumar alguém logo, vai acabar parando. Passa pro baixo pra gente continuar ensaiando e a hora que pintar um baixista você volta pra guitarra!”. Acabei adaptando um jeito de tocar com uma linha melódica meio Stones, mas com um baixo heavy metal junto. Eu não tinha referência de ninguém que tocava igual. Depois eu fui ver que a Suzy Quatro tocava assim, o baixista do Status Quo (Alan Lancaster) também, além dos caras que foram aparecendo, como o (Geezer Butler) do Black Sabbath, o (John Wetton) do Uriah Heep e o (Roger Glover) do Deep Purple, as vezes. Em 1979 a gente já tinha passado por três ou quatro cantores antes de gravar o primeiro disco. O Cornelius saiu da banda brigado, o Percy gravou o Jack O Estripador (segundo disco do Made), mas eu queria um cara mais técnico que ele. Botei o Caio Flávio pra gravar o Paulicéia Desvairada (terceiro álbum da banda), mas ele não se fixou, aquela formação não deu muito certo. Ele era muito técnico, mas o esquema não deu certo. Mudamos a estética da banda, a linha melódica e gravamos mais baladas, r&b e blues.
Aí que surge o dedo do Ezequiel Neves (crítico musical e produtor dos discos do Made Jack O Estripador e Paulicéia Desvairada)? 
O Zeca nos ajudou no Jack e no Paulicéia. Ele entrou na história pra gente não correr mais aquele risco de fazer a gravação do jeito que a gente queria e, de repente, a gravadora achar que tinha que ter um dedo mais comercial ali no lance. A gente botou o Zeca lá como amigo, pra ele assinar lá. Ele não entendia nada de gravação. Mas, pô, quem iria contra o maior crítico de rock do Brasil? O que ele falava e escrevia eram leis! E ficou do jeito que a gente queria. O Zeca subiu em cima do palco também, cantou com a gente, fez as viagens. Convivemos muito. Ele era do cacete. Como pessoa, ele faz muita falta também (Ezequiel faleceu em 2010). Sinto muita saudade dele, da alegria, do alto astral. Nas viagens, é importante ter um cara alegre, que não deixa a peteca cair, que faz uma piada atrás da outra, que conta casos da vida dele e dos outros. A gente ria muito com o Ezequiel. E com muitos músicos que viajam com a gente até hoje também. Eu e o meu irmão as vezes abrimos mão de ter um cara técnico pra ter um amigo, alguém que tá aprendendo. Durante esses quarenta e oito anos, a gente investiu em muitos amigos e em muitos músicos que a gente achava, como pessoa, fundamentais pra estarem com a gente naquele momento. Não tanto como músicos, como guitarrista, como baterista, tecladista, sacou? É loucura falar isso, afinal somos uma banda de rock. Mas essa é a verdade. Talvez seja esse o motivo da nossa longevidade.
Obrigado pela entrevista, foi uma honra. Gostaria de deixar alguma consideração final?
Queria convidar o pessoal pro show, a ideia é se divertir! Como o Ezequiel falava, rock é um exercício de descontração, é alegria. A gente tenta passar isso pras pessoas, sempre tentamos. Quando a gente consegue, maravilha!

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