A história de uma grande banda costuma ter o espírito de sua
própria época. Ao mesmo tempo em que torna palpável algo que parecia
estar no ar, também nos ajuda a ter mais clareza do que estava escondido
nas entrelinhas do cotidiano. Se os meninos que começaram a fazer rock
no Brasil na década de 80 tiveram o mérito de ser reconhecidos como uma
geração relevante da música brasileira, os Paralamas do Sucesso têm um
crédito nisso aí.
Põe na conta deles, por exemplo, a generosidade de apresentar as
“bandas dos amigos” seja em entrevistas, em covers nos shows, ou em
qualquer oportunidade que houvesse. Da primeira entrevista na Rádio
Fluminense até o palco do Rock In Rio, de anônimos eles passaram a
promessa. Vital e sua moto se transformou em um dos primeiros
hits daquela geração e lhes rendeu o convite para gravar um disco
profissional, como faziam as bandas que eles adoravam. A mudança de
conceito não mudou o espírito e a generosidade. Carregando a reboque sua
turma, foram os primeiros a gravar uma música de Renato Russo e fizeram
Brasília entrar no circuito até então dominado por cariocas, ajudando a
redefinir fronteiras.
Aliás, falando em Rock In Rio, também está na conta deles boa parte
do sucesso das bandas nacionais naquele evento que foi a primeira
grande experiência do show business brasileiro. Dali pra frente, os
palcos melhoraram, as turnês cresceram, as rádios deram espaço e a TV se
abriu a toda uma nova cultura jovem forte e representativa que emergia.
Aquele grupo de artistas relevantes era a prova disso. Havia um novo
país nascendo e a trilha sonora era a dessa rapaziada. Depois do bom
lançamento de “Cinema Mudo”, da série de hits e sucessos que vieram a
reboque de “O Passo do Lui” e da apresentação histórica no Rock In Rio,
veio “Selvagem?”. E aí, a conta cresceu muito.
Põe aí a primeira realização concreta de um álbum brasileiro pop em
que as referências anglo-americanas do rock eram fundidas com
sonoridades locais e latinas – sobretudo as jamaicanas. Ali os Paralamas
colocavam os primeiros tijolos daquilo que seria melhor compreendido e
bem sucedido apenas na década seguinte. Nessa busca, eles ainda
encontraram uma forma de ser mais populares, de fazer o rock nacional ir
além da classe média e, ao mesmo tempo, de torná-lo música de
exportação. Turnês pela América Latina e pelos Estados Unidos fizeram
dOs Paralamas a primeira banda brasileira reconhecida
internacionalmente. E nessa eles foram parar no tradicionalíssimo
Festival de Montreux. Dessa apresentação, tiraram o disco “D”.
A nossa conta com eles já estava ficando cara, quando veio
“Bora-Bora”. Ali eles resolveram mudar ainda mais a linguagem pop
brasileira, oficializando o naipe de metais como parte tão vital quanto
guitarra, baixo e bateria. Além disso, radicalizaram de vez na fusão com
sons afro-caribenhos. Os arranjos mudaram, as dinâmicas de palco também
e, de quebra, eles ainda nos ofereciam sua primeira leva de canções
indefectíveis quando o assunto era dor-de-cotovelo, ressentimento e
mágoas de amor. Os cacos de um coração estilhaçado afiavam a pena de
Herbert e o tornavam um compositor ainda maior. “Big Bang” veio na
sequência para tentar explodir o que havia em volta. Herbert seguia
remoendo dores amorosas e ainda aproveitava para cantar o jeito
brasileiro – não necessariamente o jeitinho – de sobreviver em tempos
desleais. A hiperinflação, as primeiras desconfianças sobre o regime
democrático e a coletiva falta de rumo
asfixiavam aquela geração que, anos antes, cantava a esperança no
futuro. Mais uma vez, eles eram a voz dos seus contemporâneos. E vai
pondo na conta, vai pondo…
Virada aquela década, a desilusão chegou ao talo em “Os grãos”. O país – apesar de collorido
- estava sem cor, como a capa do disco. Depois de seis álbuns lançados
em oito anos de carreira, viria a ânsia de se renovar e se expor ao
risco, como fizeram Beatles, Stones, Beach Boys e todas as outras bandas
que se tornaram maiores que a vida. Programações eletrônicas e samplers
poderiam soar quase ofensivas quando a banda envolvida tinha Herbert,
Bi e Barone. Mas os limites precisavam ser testados. Sobre o fio da
navalha que se anda nessas horas, eles atravessaram a primeira metade da
década. A nossa dívida com eles já era grande, mas ainda assim, ninguém
aliviava. No aperto, foram nossos hermanos argentinos que bancaram as
contas naquele momento. O clima de recessão, que só se encerraria com o
Plano Real, definitivamente não parecia combinar com aqueles riscos
todos, mas eles bancaram. As baixas vendas de “Os Grãos”
e os questionamentos da imprensa nacional não os fizeram aliviar. Na
sequência, nos deram “Severino”, ainda mais duro, seco, abstrato e
direto. Novos experimentos eletrônicos. Rock cru. A Argentina tinha
abraçado os caras e, como resposta a nós mesmos, eles apontavam para um
certo sertanismo. Tom Zé e Brian May. Poucos quiseram ouvir o disco, mas
os shows sempre lotavam.
Foi da força vital de tocar ao vivo que os Paralamas se
reconstruíram. Quando o Brasil começava a abrir espaço para novos
grupos, de uma nova geração, lançaram um disco ao vivo (“Vamo Batê
Lata”) que reafirmava a força de toda uma obra. Quase um milhão de
discos vendidos depois, eles estavam de volta para capitanear a nau
renovada do rock nacional. E o fizeram com propriedade. Inseriram no
repertório dos shows as canções de Raimundos e Chico Science & Nação
Zumbi, tocaram com o Skank, chamaram o Pato Fu para abrir shows e
ajudaram a consolidar os novos ares da música pop brasileira. Põe mais
essa na conta. Como eles não se contentariam em olhar apenas para trás,
lançaram junto um EP de quatro faixas novas. Meteram o dedo na cara do
congresso e retornaram às paradas de rádio e MTV com Uma brasileira. Balada, sim, mas dançante, classuda, com naipes e teclados quentes. Moldava-se ali uma nova sonoridade pop que
seria consagrada em “9 Luas” e “Hey Na Na” e que seria definitiva na assinatura musical dos caras.
Quando o formato acústico já começava a dar sinais de fadiga, os
lançamentos de discos ao vivo deixavam de ser novidade, as coletâneas
tomavam conta de uma indústria fonográfica à beira do precipício, eles
resolveram encarar o convite da MTV para deseletrificar o show. No
“Acústico MTV”, os Paralamas jogaram os já famosos naipes de cordas e
demais floreios orquestrais, consagrados pelo formato, pra escanteio.
Esnobando a “receita do sucesso”, eles optaram por manter a mesma
formação musical e se dedicaram, de fato, a descobrir uma nova forma de
tocar e soar. O único acréscimo foi trazer Dado Villa-Lobos, mais um
guitarrista, mas para tocar violão. Não bastasse isso, eles deixaram os
hits de lado e optaram por uma porção de lados-b. Ah, e em vez de
teatros centenários, dá-lhe gravar num parque. Mais uma vez eles
reescreviam a história do rock brasileiro. Já anotou mais essa aí na
conta?
Passado o sucesso do acústico, todos diziam com naturalidade, que
era hora de recomeçar, se reinventar outra vez. O problema é que ninguém
imaginava que ali, essa vocação viraria sentença.
Foi um longo caminho até a volta ao estúdio em 2002. A perda de
Lucy, do movimento das pernas e de parte da memória, obrigou Herbert e
todos ao redor a redimensionarem gestos que, antes, pareciam banais. As
histórias de como a amizade de Bi e Barone e dos estímulos a memória
pela música e pelo afeto foram fundamentais à sua recuperação são
emocionantes. A desgastada expressão “lição de vida” soa inevitável
diante da volta desses caras às nossas próprias vidas. À nossa turma.
Nessa hora, a conta com esses sujeitos fica impagável.
“Longo Caminho”, o primeiro álbum pós-acidente, mostrou onde a
banda estava antes da pausa forçada. Uma turnê visceral e intensa em
emoções cortou o país para comemorar o reencontro com a vida. Cercados
de amigos, no palco e na plateia, nos deram o CD e DVD “Uns dias”. Sem
parar, emendaram no álbum “Hoje”, que comprovou que a capacidade
criativa dos três permanecia intacta e pulsante. Em seguida, mais festa.
O sucesso da celebração de 25 anos de carreira, em um projeto conjunto
com os camaradas dos Titãs, foi um atestado de sanidade de toda aquela
geração que, no início da década de 80, fez o novo acontecer e, a partir
dali, escreveu a própria história…
Mas depois da festa, a labuta se apresentou novamente. E sem essa
de acordar de ressaca. A tal história continuou em passos quentes e
rápidos. Com “Brasil Afora” os Paralamas vêm fazendo uma das maiores
turnês de sua história. O show que ganhou prêmios como o VMB 2010 da
MTV, foi convidado pelo Multishow para ser registrado ao vivo, gerando
um novo programa pro canal e um DVD pra discografia. Zé Ramalho e Pitty
entraram na roda dos amigos que a banda traz pra perto.
2013 já aponta no horizonte e com eles a estranha marca de 30 anos
de uma banda que começou aos 20 e poucos de quem só queria sonhar em
tocar naquele tal palco do Circo Voador. Então, sigamos sonhando e indo
adiante. A essa altura, qualquer um já desistiu de pagar a tal conta com
os caras. E já que eles não estão cobrando mesmo, segura, passa a régua
e pede mais. uma.
por Bruno Maia e Bernardo Mortimer
Dia 20 de abril, em São Paulo, Os Paralamas do Sucesso iniciam uma
turnê para comemorar seus 30 anos de carreira com um show inédito onde
interpretam canções de artistas fundamentais na formação do som da banda
nestes 30 anos: Led Zeppelin, The Clash, The Police, Jorge Ben,
Gilberto Gil e Lulu Santos, dentre outros, além dos principais sucessos
dos Paralamas.
Paralamas do Sucesso 30 anos
Ínicio das vendas: 04 de março ( segunda-feira)
Abertura da casa: 20h00 - Inicio do show: 22h00
Local: Espaço das Américas - Rua Tagipurú, 795 – Barra Funda
Valores (1º lote):
Pista: R$ 100,00 (inteira) e R$ 50,00 (meia)
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