terça-feira, 16 de setembro de 2014

Raul Seixas. Torturado pela ditadura

Exatamente 25 anos após a morte de Raul Seixas, é divulgado um áudio em que ele conta detalhes das torturas que sofreu durante três dias, em 1974; ele relatou, entre outras coisas, que ficou em um local subterrâneo, com limo, que apanhou e levou choques "em lugares particulares"; também conta que foi levado a um aeroporto e mandado para os Estados Unidos; só voltou ao Brasil porque o LP Gita se tornou um sucesso.

Por Edgard Matsuki
   



Raul Seixas morreu no dia 21 de agosto de 1989, vítima de complicações de uma pancreatite aguda. Exatamente 25 anos após a morte do pai do rock brasileiro, um áudio do ano de 1988 mostra uma entrevista em que Raul Seixas conta detalhes das torturas que sofreu durante três dias no ano de 1974.
A entrevista foi concedida ao jornalista André Barbosa, na extinta rádio FM Record de São Paulo. De acordo com Barbosa (que cedeu o áudio de seu arquivo pessoal), essa foi a primeira e, provavelmente, a última vez que ele falou sobre a prisão pelos militares em uma gravação. “Ele nunca tinha comentado sobre o assunto”, diz. 
O áudio mostra o momento da entrevista em que ele foi indagado em relação aos planos que tinha de construir uma sociedade alternativa e sobre a prisão dele. Raul suspirou e começou a contar a história.
Raul relatou, entre outras coisas, que ficou em um local subterrâneo, com limo, que apanhou e levou choques "em lugares particulares". Do local da prisão, ele também conta que foi levado a um aeroporto e mandado para os Estados Unidos.
Só voltou ao Brasil porque o LP Gita se tornou um sucesso: "Veio o Consulado Brasileiro no meu apartamento. Era quase em dezembro de 1974. Bateu na porta do meu apartamento dizendo que eu já podia voltar. Que o Brasil já me chamava, que eu era patrimônio nacional e que tava vendendo disco". Raul disse que voltou só porque "estava com muita saudade".


Ouça o que Raul Seixas disse sobre a prisão, tortura e exílio em 1974:
http://www.ebc.com.br/sites/default/files/null/3_raul_fala_da_prisao_na_ditaduta_2.mp3








"Em 1974, eu estava com a Sociedade Alternativa, essa ideia estrutural, com os parâmetros todos desenvolvidos. Estava em uma época esotérica, frequentando tudo, participando de tudo, escrevendo para John Lennon. Não sabia que iria me encontrar com ele. Também não sabia que eu ia ser expulso do Brasil. Ordem de prisão do 1º exército!
Ia ser doado para mim, por uma sociedade esotérica egípcia de Aleister Crowley, um terreno em Minas Gerais. E esse eu acho que foi o cume, culminou aí. Eu ia construir uma cidade, uma anticidade, o antitudo, o antiguarda. Ia fazer uma cidade modelo. Estávamos tão loucos pela ideia. Eu, Paulo Coelho, tinha um advogado, tinha um juiz. Tinha pessoas importantes de cada área na sociedade alternativa.
Então foi tudo desativado porque eu fui expulso para Nova York. Fiquei um ano exilado do Brasil, sem poder voltar. Eu fui pego na pista do Aterro [do Flamengo, no Rio] quando eu voltava de um show. Um carro do Dops barrou o meu táxi e eu fiquei nu com uma carapuça preta na cabeça. Fui para um lugar, se não me engano, Realengo. Eu sinto que foi por ali, Realengo. Um lugar subterrâneo, que tinha limo. Eu tateava as paredes e tinha limo.
E vinham cinco caras me interrogar. Tinha um bonzinho, um outro bruto que me dava murro, um que dava choque elétrico em lugares particulares e tudo. Eu fiquei três dias lá. Sabe, cada um tinha uma personalidade. Era uma tortura de personalidade. Eu não sabia quem vinha. Só sentia pelos passos. Eu pensava, era o cara que batia. Era o cara que tem o...
Após três dias, eu estava no aeroporto. Já tinha deixado o LP Gita gravado e não sabia que ia fazer sucesso sozinho. Não sabia que ia estourar. E ele estourou. Acho que tocou umas seis faixas. Uma por uma. Gita, Sociedade Alternativa, Medo da Chuva... foi um disco que foi muito explorado. Então, eu estava lá nos Estados Unidos. Já tinha encontrado com John Lennon, já tinha corrido o país, era casado com uma americana na época. E tinha cantado com Jerry Lee Lewis em Memphis, Tenesee. Ele me acompanhou de piano.
Tinha transado [feito muitas coisas] um bocado nos EUA quando veio o Consulado Brasileiro no meu apartamento. Era quase em dezembro de 1974. Bateu na porta do meu apartamento dizendo que eu já podia voltar. Que o Brasil já me chamava, que eu era patrimônio nacional e que tava vendendo disco. Cinicamente, o cara falou assim.
É, eu voltei. Tava com muita saudade. Voltei para o Brasil e vi o disco Gita estourado aqui. E foi mais ou menos assim aquele ano de 1974. Mas tudo bem. Eu me refiz, graças a Deus, não fiquei com trauma psicológico nenhum e acho que as coisas se processam dessa maneira."
 
(*) Fonte: Portal EBC / Portal 247

Caminho Contínuo

Com o disco O Passo do Lui, lançado há 30 anos, o Paralamas do Sucesso iniciou uma trajetória destinada ao estrelato. Sem tempo para nostalgia, eles celebram a carreira de olho no futuro




por Pedro Antunes


Durante as madrugadas de junho de 1984, um Herbert Vianna de recém-completados 23 anos tentava de todas as maneiras encontrar uma forma de transpor para a guitarra que tocava as texturas criadas por Andy Summers (The Police) e os solos precisos de Eddie Van Halen (Van Halen). A sonoridade descoberta por Vianna a partir dessas experimentações, ao lado do baterista João Barone e do baixista Bi Ribeiro, definiu tudo o que o Paralamas do Sucesso viria a fazer ao longo das três décadas seguintes, trazendo elementos de reggae e ska ao pop rock brasileiro – e fazendo dos três amigos uma das maiores bandas ainda em atividade no território nacional.


Os versos criados por Vianna naquele período, ao longo dos meses que separaram as gravações de Cinema Mudo (1983), primeiro disco do Paralamas, e O Passo do Lui (1984), marcaram profundamente as gerações seguintes. Se no álbum de estreia o amor aparecia como um tiro de raspão ou ganhava tons jocosos, no segundo, o vocalista e guitarrista aceitou aquilo que ele gosta de chamar de “vômitos emocionais”: compor “sem tentar articular tanto, rasgando o peito e colocando para fora tudo da forma mais cruel e direta”. Das dez músicas do álbum, apenas duas não falavam de amor – e uma delas, a faixa-título, era instrumental. “Era um momento da vida, mesmo”, diz o principal compositor do trio. “Aquela evolução da adolescência para os primeiros passos da juventude, um olhar para as perspectivas da vida.”


Menos de um ano depois das gravações de Cinema Mudo, Vianna, Ribeiro e Barone se viram novamente diante do número 151 da Rua Mena Barreto, no Botafogo, Rio de Janeiro, às portas do complexo de estúdios da extinta gravadora EMI-Odeon. O trio se sentia preparado para fazer uma segunda tentativa, um novo disco que deveria (e precisaria) mudar tudo para eles dali em diante. O primeiro álbum, gravado e lançado em 1983, foi uma decepção para os integrantes do Paralamas do Sucesso. “Iríamos arriscar tudo”, lembra Barone, hoje com 51 anos. “Ou ficaríamos felizes com o resultado ou voltaríamos para a universidade.” Em três semanas, eles saíram de lá com O Passo do Lui, lançado em agosto de 1984 e um estouro em todos os sentidos: em vendas (surpreendentes 250 mil cópias); em número de hits (oito das dez faixas tocaram à exaustão nas rádios: “Óculos”, “Meu Erro”, “Fui Eu”, “Romance Ideal”, “Ska”, “Mensagem de Amor”, “Me Liga” e “Assaltaram a Gramática”); e no ânimo daqueles jovens que estavam prestes a serem aclamados como a melhor banda brasileira de pop rock daquela geração, consagrados após duas históricas apresentações na primeira edição do festival Rock in Rio, realizado em janeiro de 1985.


Diferentemente daqueles estúdios de 30 anos atrás, o cômodo no qual o trio se encontra semanalmente é quase claustrofóbico de tão pequeno – como o que existia na casa da avó de Ribeiro, dona Ondina, onde foram realizados os primeiros ensaios do Paralamas do Sucesso. Ali, há o espaço para a bateria, um computador para gravações e algumas pessoas em pé. Vianna, Ribeiro e Barone sentam em semicírculo ao redor do gravador posicionado no centro do estúdio, um antigo quarto transformado em local de ensaio e gravações preliminares no mesmo prédio onde mora o baterista, no Jardim Botânico, também no Rio. Na antessala, entre livros e fotos, estão quatro gramofones do Grammy Latino, recebidos entre 2000, com o Acústico MTV, e 2007, quando a banda foi homenageada com um prêmio honorário pela Academia Latina da Gravação.


O Paralamas do Sucesso segue até o final do ano com a turnê 30 Anos, iniciada em 2013 e comemorada com o recente lançamento do CD e DVD Multishow ao VivoOs Paralamas do Sucesso 30 Anos. O show percorre a carreira da banda desde Cinema Mudo, mas isso não faz a banda gostar mais do primeiro álbum. “Quando falam ‘o seu álbum de estreia, O Passo do Lui...’, eu penso: ‘Ainda bem, ninguém lembra do primeiro disco”, ri Barone. Foi o ímpeto de “apagar” o trabalho que fez com que a banda voltasse ao estúdio em junho de 1984. Para o segundo disco, os garotos conseguiram um espaço no estúdio A, o principal do complexo da EMI-Odeon, mas em um horário ingrato: das 21h às 6h. Algumas das faixas que seriam registradas ali, como “Meu Erro” e “Óculos”, haviam sido executadas em shows da primeira turnê, mas vinham dessa segunda safra de composições nascida da cabeça de Vianna. “Foi muito rápido”, relembra Barone. “O Herbert veio com essas músicas ótimas, que têm início, meio e fim, sabe? Como os primeiros discos dos Beatles.”


Se em Cinema Mudo a interferência da gravadora era evidente – e importuna, de acordo com integrantes –, as gravações do segundo álbum fluíram com extrema liberdade, quase como um reflexo do momento de transformação, esperança e euforia pelo qual passava o país após os anos negros da ditadura militar. Dois meses antes, a cidade de São Paulo havia testemunhado a maior passeata do movimento Diretas Já, com 1,5 milhão de pessoas nas ruas. Dentro do estúdio, a banda podia fazer o que bem entendesse, como usar as tapadeiras que isolavam o som da bateria para criar uma espécie de rede de vôlei. “Marcávamos a quadra com fita crepe”, diverte-se Ribeiro. “Também jogávamos futebol com uma bola criada com jornal amassado”, completa Barone. Vianna sorri ao lembrar das partidas. E era possível jogar apenas com três pessoas? “Não, em duplas”, ele responde, deixando despontar um sorriso jovem no rosto de 53 anos. “Sempre tinha algum amigo ou até gente da diretoria da gravadora que ligava e avisava que passaria à noite para jogar”, Barone explica. “Era uma anarquia.”


Ali, no mesmo estúdio em que, quase 10 anos mais tarde, o Nirvana gravaria o embrião do disco In Utero (1993), o Paralamas criou um clássico em três semanas. Barone diz que a banda nunca gostou de ficar “enrolando” em estúdio. Como consequência disso, explica o baterista, existem poucas sobras e gravações não aproveitadas pelo grupo, algo que os atrapalhou quando procuraram reunir material para os extras da caixa com a discografia completa deles, que deverá chegar ao mercado até o final do ano pela Universal Music.

Dos três integrantes, Herbert Vianna é o menos falante – uma das consequências do grave acidente de ultraleve que sofreu em Mangaratiba, há 13 anos, no qual morreu a esposa dele, Lucy Needham Vianna. Quieto, mas não menos intenso. É ele quem traz o nome de Lucy à tona, por duas vezes, durante o encontro. Em uma delas, os três integrantes faziam o exercício de recordar a profissão que, quando crianças, sonhavam ter – Ribeiro se imaginava veterinário, enquanto Barone variava entre arqueólogo, biólogo e tenista.


Vianna queria ser piloto. “Eu posso começar”, fala o cantor, ao tomar a palavra para si. “Como decorrência de o meu pai ser oficial militar e, mais do que tudo, piloto, voei desde moleque em vários aviões e equipamentos diferentes, dependendo da base onde vivíamos.” No quarto de infância, não havia um pôster do Elvis Presley ou outro artista, mas sim uma coleção de aviões em miniatura das duas guerras mundiais. “Era completamente obcecado com isso. Até que em um determinado momento, e aí existe um paradoxo, quando eu pensava em prestar o exame para o curso científico de pilotagem em Barbacena [Minas Gerais], me dei conta de que precisava usar óculos”, continua o vocalista. “Tu queria ser aviador, mas não conseguiu por causa da lupa?”, indaga Barone, sobre os acessórios que deram origem a um dos principais hits de O Passo do Lui, “Óculos”. “Rendeu, por outro lado, o fato de eu, quando pude começar a voar, ter perdido o amor da minha vida, mãe dos meus três filhotes.” O corpo pode não responder da mesma forma que antes – Vianna perdeu o movimento das pernas e parte da massa encefálica –, mas os olhos são ávidos e observam os detalhes com atenção. Ele se interessa em saber detalhes da discografia dos Beatles que será relançada em vinil, com áudio em mono, e menciona Renato Russo e o auxílio dado por ele na divulgação do rock de Brasília.


Vianna está sempre compondo e, segundo Barone e Ribeiro, novas músicas devem começar a aparecer ainda em 2014. Eles não sabem em qual formato serão lançadas – disco, EP, single –, mas é certo que em breve estarão nos shows. A ideia, conta Barone, é testá-las ao vivo. “Já estamos burilando. Temos material inédito do Herbert e estamos nessa fase embrionária.” Fora isso, o formato da apresentação deve seguir sem muitas alterações. “Vamos continuar com a mesma coisa, tirando o nome 30 anos, porque não vai dar para parar. Já entendemos que não vai”, revela o baixista. Atualmente, o show costuma ter no set list seis músicas de O Passo do Lui.


Apesar de toda a maré de sucesso desencadeada pelo segundo álbum da carreira, o lema do Paralamas do Sucesso, repetido à exaustão, é estar “mais próximo dos 80 anos do que dos anos 1980”. E pretendem continuar assim. “Derramar melancolia não seria, de maneira alguma, a nossa intenção”, diz Vianna. “Nós ficamos alegres de ter coisas impressas na memória e no emocional das pessoas, mas a melancolia está fora.” A longevidade do Paralamas do Sucesso surpreende, embora não devesse. Não há grandes conflitos internos na banda, explicam eles. “A gente sempre teve os nossos papéis e egos muito bem resolvidos”, analisa Ribeiro. Existe uma cumplicidade que emana do trio, muito provavelmente intensificada após o acidente de Vianna. “Se a gente conseguiu chegar até aqui, está tudo lindo”, diz Barone, que fez vigília ao lado da cama do hospital do companheiro
nos dias que se seguiram à queda do avião.



Enquanto Vianna e Ribeiro eram amigos dos tempos em que moravam em Brasília, Barone chegou à banda depois. “Eu conheci os dois ao mesmo tempo”, diz ele. “Já tinha visto o Bi na universidade. Ele tinha aquele cabelão enorme, meio hippie. E o Herbert era um nerd que parecia ter saído de uma sitcom norte-americana, com uma camiseta do Mickey e aqueles óculos pretos. Mas foi o melhor cara que eu havia visto tocando guitarra.” Barone e Ribeiro entram em um fluxo contínuo de lembranças sobre as peripécias da adolescência, de como o baterista substituiu Vital (aquele que, depois de ter comprado uma moto, “passou a se sentir total”) e os acasos que colocaram os três juntos, como irmãos de vida. Vianna interrompe, com os olhos marejados. “Essa nostalgia doce. E essa leveza...”, diz ele, a com voz embargada por um novo vômito emocional que não escolhe hora ou lugar. A banda não quer saber de olhar para trás e busca deixar a melancolia longe, como diz Vianna, e os palcos sempre perto. Mas, quando se tem mais de três décadas de convivência, é difícil fugir das memórias. “Elas me fazem aumentar a umidade relativa do ar local.


Passando a borracha

Ao gravar O Passo do Lui, o Paralamas do Sucesso quis esquecer o primeiro disco da carreira


Em abril de 1983, o Paralamas do Sucesso assinava o primeiro contrato profissional com a gravadora EMI-Odeon, após a fita demo da banda com a versão embrionária de “Vital e Sua Moto” passar a tocar na rádio Fluminense FM, no Rio de Janeiro. Naquele mesmo ano, sairia o disco de estreia do grupo, meio às pressas, com o título de Cinema Mudo. O resultado, contudo, não agradou ao trio. “Não tínhamos experiência nem rodado o suficiente para ter convicção de qual rota a gente queria percorrer”, diz Herbert Vianna. Ainda jovens e recém-contratados, os três se arrependem das cessões às pressões dos executivos da gravadora. “Falavam para colocar isso ou aquilo, um refrão em ‘Vital’. A gente não queria, mas acabamos fazendo”, conta Bi Ribeiro. O ambiente impessoal no estúdio também acuou os então garotos, que sequer podiam mexer nas mesas de gravação. Com o relativo sucesso comercial, com 90 mil cópias vendidas e mudanças na direção artística da gravadora, eles puderam voltar ao complexo de estúdios em menos de um ano. “A gente estava com uma ressaca desse primeiro disco”, confessa o baixista. O Passo do Lui, lançado em 1984, trouxe menos ecos e teclados do que a estreia, algo que enfim satisfez o trio. “Queríamos gravações com maior frescor, mais imediatas, e com menos harmonização”, lembra Vianna. 

 






Rodrigo Amarante faz jornada solitária por montanhas e rios no clipe de “Tardei”

Cavalo, primeiro (e por enquanto único) disco solo do ex-Los Hermanos Rodrigo Amarante, foi lançado no ano passado, mas continua rendendo videoclipes para o vocalista. Nesta quarta, 10, ele divulgou um vídeo para a faixa “Tardei”, no qual ele caminha entre montanhas, vales, margens de rios e locais pouco habitados.

Assim como todo o disco, a faixa escolhida para o clipe carrega em si uma solidão encarada de forma dolorosa e corajosa por Amarante. Em um texto publicado pelo Esquire, ele afirma: “Essa música é sobre uma viagem, e o tempo que leva para ela chegar ao fim”. Como explica o cantor, a “chegada” dessa jornada nunca acontece, mas ela é criada “como uma ferramenta para encarar a solidão e horas de caminhada em busca do que, agora, é revelado como o desconhecido”.

O mistério em torno desta nova fase da carreira de Rodrigo Amarante também fica escancarado, com imagens pouco iluminadas e sempre muito serenas. O músico aparece com uma barba imensa, e sempre revelando um rosto sem expressão – até mesmo quando canta encarando a câmera.




"Tardei"

terça-feira, 2 de setembro de 2014

"Ave Sangria"

Álbum "Ave Sangria" de 1974. Ivson Wanderley - guitarra, teclado e backing vocal (1969-1980) Israel Semente - bateria, percussão e backing vocal (1969-1982) Paulo Raphael - guitarra e Sintetizador(1970-1980) Agrício Noya - bateria e percussão (1969-1979)

“Entre as cabras e os mandacarus”


Ave Sangria por Caio Luiz













Como é possível uma banda fora do eixo Rio-São Paulo ter criado um mitológico disco cosmopolita e psicodélico em meio ao fechamento e repressão da ditadura militar em plena década de 1970?



“Geórgia, a carniceira dos pântanos frios das noites do Deus Satã / Jogando boliche com as cabeças das moças mortas de cio / No levantar das manhãs de abril”, este é o refrão de Geórgia, umas das músicas do disco “Ave Sangria” cujas letras costuram influências literárias de Rimbaud e Baudelaire com solução alquímica de fusão entre Jackson do Pandeiro e Luiz Gonzaga com Beatles, Led Zeppelin e Rolling Stones.



Com a fragmentação de imagens e enxurrada de metáforas, a banda Ave Sangria se impregnou do recurso alegórico libertário e visceral para protestar contra a militarismo vigente no Brasil. Depois de 40 anos do lançamento do único e homônimo LP, quatro integrantes originais se reúnem para a reedição da obra em CD na segunda-feira (02/09) no Recife, PE. O “Perfumes e Baratchos” foi o último show ao vivo do grupo, em 28 e 29 de dezembro, de 1974. Ao longo de quase trinta anos, fitas cassete com cerca de oito músicas inéditas e mais todo o registro da apresentação estavam guardadas na casa do guitarrista Paulo Rafael e foram ressuscitadas pelo selo Ripohlandya.







Contexto



O final dos anos 1960 e a década seguinte foram laboratórios de lisergia musical no Brasil. Do nordeste do País pipocou uma vanguarda que logrou o feito de sintetizar o rock and roll psicodélico importado das nações anglo-saxônicas com densas influências de forró, baião, repente, xaxado e frevo. Gal Costa lançou bossas, MPB e tropicália alucinógena com os primeiros discos da carreira solo entre 1968 e 1970. “Paêbirú” é o raro LP de Zé Ramalho e Lula Cortês que teve grande parte da tiragem estragada por uma enchente em 1975. Em 1977, Alceu Valença vertia loucura do agreste com o álbum “Espelho Cristalino”.



No entanto, o esplendor auditivo originado daquele bolachão cangaceiro do autor de “La Belle de Jour” tem raízes em uma banda lendária de Pernambuco. Fundada em 1972, a Tamarineira Village começou com músicos de baile que estudaram violão nos bairros de Recife e foram se intrometendo no cenário musical até ganharem mais integrantes.



A primeira apresentação foi em 11 de novembro do mesmo ano em um feira da cidade. O título do conjunto veio do nome do bairro dos componentes, que também pertence a um tipo de árvore que dá frutos doces e azedos. Tamarineira era o nome de um sanatório que acabou virando sinônimo de casa de loucos na região e veio a calhar para o octeto. A segunda parte veio de Greenwich Village, bairro popular de Nova York de efervescência musical.



O nome reflete o gosto agridoce que as canções causam nos tímpanos, a insanidade proveniente da psicodelia, sensível na sonoridade e nas letras irônicas e macabras - compostas em maioria pelo jornalista, poeta e vocalista Marco Polo – com termos e traços culturais de Pernambuco. Mas o Trio Irakitan, grupo nascido nos anos 1950, em Natal, Rio Grande do Norte, excursionava por Recife e indicou o Tamarineira Village como investimento promissor para a gravadora Continental. A empresa sugeriu a mudança de nome. Marco Polo não aguentava mais explicar o porquê do batismo. Optou por algo ainda mais lúdico: Ave Sangria, que em 1974 lançou 12 faixas.


Capa original do disco feita por um dos integrantes da banda, pois a gravadora se recusou a pagar pela arte























“Ave Sangria é rock cabra da peste”, decretou Almir de Oliveira, violonista que assumiu o baixo durante os dois anos de existência da banda. O disco foi gravado entre maio e junho de 1974 em um estúdio do Rio de Janeiro com condições precárias e é o registro oficial do grupo. Sem marketing, a banda espalhou o boato de que o novo nome viera de uma cigana maluca do interior da Paraíba para se divulgar.



A música “Seu Waldir”, uma crítica ao machismo imperador no Nordeste, atingiu as rádios com tudo na época. Era apenas escracho. Na canção, uma pessoa se declara ao seu Waldir, mas como a música era cantada por um homem isto incomodou os machões e os militares. “Um cronista social se indignou com a música e fomos censurados e, assim, tiraram o disco das lojas e rádios”, contou Almir.



Não havia produtor, instrumentos próprios, nem incentivo. Ave Sangria começava a decolar, mas caiu do voo por causa do veto da ditadura que veio em agosto. Era, acima de tudo, uma banda independente que fazia tudo na mão. Ensaiavam oito horas por dia, de segunda a sexta-feira. Colavam os lambe-lambes dos shows. Brigavam com a polícia federal para liberarem os cartazes e as músicas.



Cansaram de tanto lutar e a banda acabou em 1975. Alguns músicos tinham mulheres grávidas e precisavam se sustentar. Quatro deles (Israel, na bateria, Ivinho, na guitarra, Paulo Rafael, no baixo, e Agrissio, na percussão) migraram para a banda do Alceu Valença e emprestaram muita da sonoridade do Sangria para o disco “Espelho Cristalino”.



“Vindo do meio da caatinga, entre as cabras e os mandacarus, como poderíamos imaginar que até hoje um só disco reverberaria nas gerações atuais?”, questiona com alegre espanto o vocalista Marco Polo. De acordo com Polo, atualmente editor de livros, naquela época havia três opções de atitude para a juventude. O conformismo, algo presente entre filhos de empresários e militares que apoiavam a direita. A luta clandestina da esquerda, que Polo considerava muito moralista e com estética quase reacionária ou contracultura, que pregava mudanças de comportamento.



“Com o movimento hippie ainda ecoando pelo mundo, com maio de 1968 repercutindo, escolhemos a terceira opção. Eu era contra os valores dominantes e cada música era um manifesto contra os costumes travestido de psicodelia”, descreveu Polo.



O que contribui para o status lendário e cosmopolita do disco é o seguinte: primeiro que o Nordeste já possui traços culturais fortíssimos em todas as esferas artísticas e isso é transferido para as manifestações naturalmente. Segundo: 1972 tinha um cenário experimental borbulhante em Recife. Várias bandas misturavam estilos e referências no período. Terceiro: toda esta cultura pungente e pulsante era reprimida pela ditadura. Aquilo era panela de pressão prestes a explodir.



E por último, o fator logístico e geográfico do porto de Recife que na década em questão era de extrema importância para a importação. Além de ser o ponto mais próximo entre os EUA, África e outros países, os jovens da cidade faziam amizades com os marinheiros nas zonas de prostituição e no cais. Os homens do mar por vezes vendiam os discos com os quais viajavam, faziam escambos com os pernambucanos ou doavam os bolachões para os parceiros.