quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Cazuza ao som de Lispector


por Rafael Julião


“Eu queria anunciar aqui o seguinte: a pessoa que eu mais amo na minha vida chama-se Clarice Lispector”. Essa afirmação foi feita por Cazuza, já um pouco tocado pela bebida, durante sua participação em um show de Angela Ro Ro no Morro da Urca, no Rio de Janeiro, em 1988.[1] Logo em seguida, o artista disse à plateia que queria cantar uma “poesia” de Clarice que ele havia musicado. A tal poesia era, na verdade, um trecho de Água Viva, de 1973, devidamente adaptado para se tornar letra da canção “Que o Deus venha”.[2]
O letrista também se inspirou em Clarice para compor “A via-crúcis do corpo” [3], desta vez pautado no livro homônimo, publicado em 1974. Para além dessas relações mais diretas, é possível encontrar ecos clariceanos em várias imagens de Cazuza, bem como na recorrência do tema da liberdade, que não raro se projeta em um processo de aprendizagem pelo amor e pelo prazer (tal como em Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, de 1969), na verdade, construído por meio de uma espécie de “desaprendizagem” dos valores sociais estabelecidos.
Vale também pensar a aproximação do compositor e da escritora a partir da linha temporal que os liga. A obra de Clarice Lispector insere-se no intervalo entre as décadas de 1940 (a partir de Perto do coração selvagem, de 1943) e de 1970 (com a morte da autora em 1977). Veja-se que Clarice atravessa um momento fundamental da história do século XX, em um período que deixa entrever a ponte que leva das discussões existencialistas e das discussões de gênero elaboradas na primeira metade do século XX (com destaque para as respectivas obras de Sartre e de Simone de Beauvoir) aos movimentos libertários dos anos 1960 e 1970.
Assim, as premissas existencialistas de que a existência precede à essência e de que os seres humanos são “condenados” a serem livres, bem como o entendimento de que os papéis sociais vinculados ao gênero (mas também à classe, à raça e à orientação sexual) são socialmente construídos, permitiram novos olhares sobre a questão da liberdade. Nessa esteira, a contracultura dos anos 1960 e 1970 propôs-se a contestar os valores da sociedade patriarcal burguesa, recusando o establishment e apontando para novas formas de experiênciaNesse conjunto, devemos compreender não apenas os movimentos hippiepunk, e o Maio de 1968, mas também todos os movimentos identitários que ganharam força naquele momento. Além disso, precisamos estar atentos à emergência do rock’n’roll e de suas derivações, que funcionaram como a trilha sonora das contestações da juventude da época.  
Veja-se que Cazuza nasceu em 1958 e, portanto, viveu sua adolescência durante os anos de 1970, já sob o influxo desses movimentos contraculturais. De algum modo, sua obra dos anos 1980 revela, de modo peculiar, os pontos de interseção entre esse universo e o de Clarice Lispector, lançando luz também sobre o percurso histórico que envolve todas essas expressões. Além disso, vale considerar o impacto da AIDS nos anos 1980 (e dos casos célebres de overdose nos anos 1970) em relação a esses movimentos libertários, o que serviu de matéria prima para a canção “Ideologia”, de Cazuza, lançada em álbum homônimo de 1988, mesmo ano do show onde o artista afirmou seu amor por Clarice e cantou sua versão de “Que o Deus venha”.
Segundo posterior relato de Frejat, Cazuza havia lhe dado o esboço da canção para que o parceiro fizesse ajustes, provocando surpresa ao explicar que se tratava de um texto da escritora: “não dava pra imaginar que era um texto de Clarice, de tão parecida que a letra estava com o jeito dele escrever”. Para compreendermos a semelhança, vale citar o fragmento original:
Sou inquieta, áspera e desesperançada. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que eu não sei usar amor. Às vezes me arranha como se fossem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e no entanto eu continuo inquieta, é porque eu preciso que o Deus venha.  Venha antes que seja tarde demais. Corro perigo como toda pessoa que vive e a única coisa que me espera é exatamente o inesperado. Mas eu sei que vou ter paz antes da morte e que experimentarei um dia o delicado da vida. Perceberei – assim como se come e se vive o gosto da comida. (LISPECTOR, 1998, p.51)
A adaptação de Cazuza, de modo geral, limita-se a passar o eu-lírico para o masculino e fazer o recorte dos versos, aproveitando e ressaltando o caráter poético (e musical) do fragmento narrativo de Clarice Lispector, que sofre apenas sutis modificações. Em relação ao conteúdo, é possível identificar alguns tons do sentimento de inquietude, que se manifestam de maneiras comparáveis no trabalho do compositor e da escritora.
As personagens clariceanas se percebem diante de três grandes instâncias de aprisionamento, que podem ser esquematizadas do seguinte modo: a condição social (onde pesam especialmente as opressões de gênero), a condição humana (onde se problematiza a falta de controle sobre o próprio destino) e, por fim, a linguagem (que tenta apreender e dar sentido à realidade). O embate entre esse mundo interior convulso e essas limitações fornece matéria para grande parte da obra da escritora.
Em Perto do coração selvagem (1943), por exemplo, a personagem Joana afirma: “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.”[4] Esse célebre fragmento ilustra não apenas a centralidade desse tema na obra de Clarice, mas o próprio embate com a linguagem, isto é, com a impossibilidade de dar nomes precisos às dimensões do mundo subjetivo. No mesmo livro, a liberdade, quando não aparece como desejo extremo e inenarrável, fruto da angústia das limitações da condição humana e de sua linguagem também limitada (e limitadora), aparece como opção heroica – “Liberdade? É o meu último refúgio, forcei-me à liberdade e aguento-a não como um dom mas com heroísmo: sou heroicamente livre. E quero o fluxo”.[5] Nesse sentido, “querer o fluxo” corresponderia a negar os enquadramentos existenciais, sociais e expressionais. A opção de ser livre é heroica na medida em que acarreta todo o ônus do gauchismo, da dor do não-pertencimento, da luta contra um sistema pré-estabelecido já viciado no disfarce.
O próprio título do livro, Perto do coração selvagem – cuja epígrafe revela a referência a James Joyce, que fala sobre alguém que estava só, “perto do selvagem coração da vida” – já prenuncia que a narrativa estará centrada nesse mundo subjetivo, indomesticável e inquieto. Vale pontuar que universo semelhante pode ser encontrado em composições icônicas de Cazuza, como nas letras de “Down em mim” (“Eu não sei o que meu corpo abriga/ nessas noites quentes de verão/ e nem me importa que mil raios partam/ qualquer sentido vago de razão”) e de “Só as mães são felizes”, onde justamente a figura da mãe se desenha em negativo em relação às criaturas que habitam “o lado escuro da vida” (“nunca viu Lou Reed/ walking on the wild side” ou “você nunca ouviu falar de maldição/ nunca viu um milagre/ nunca chorou sozinha num banheiro sujo/ nem nunca quis ver a face de Deus”).
Segundo Benedito Nunes, mais do que uma preocupação em filosofar, estabelecer ou discutir doutrinas, há na obra da escritora “uma intuição sensível de escrever sobre a ameaça da angústia que nos acolhe, quando se anseia viver sob o signo da busca da liberdade”.[6] Sem dúvidas, essa angústia e essa inquietude, vinculadas, sobretudo, ao desejo de liberdade, são pontos que unem profundamente as obras de Clarice e de Cazuza.
Como já foi dito, Cazuza também se inspirou diretamente em Clarice Lispector para escrever “A via-crúcis do corpo”, em referência ao livro de contos homônimo da escritora, de 1974. A composição visita o universo de Clarice, em seu caráter geral, mas também por meio de referências a essa obra específica, como nos versos: “Só não volta a infância perdida/ só não nos livramos de morrer à toa”, “A dor pode ser disfarçada/ mas a via-crúcis do corpo/ já foi há muito traçada” e “Será que eu tenho um destino?/  Não quero ter a vida pronta/ como um plano de trabalho/ como um sorvete de menta”.
O eu-lírico da canção, espelhando a narradora incompleta e inquieta, pergunta-se sobre a dor da existência – a via-crúcis do corpo e da alma – e a dúvida sobre o destino humano, na qual a liberdade é, a um só tempo, dádiva e condenação. Note-se que esses versos também reverberam o livro Água viva, que deu origem a “Que o Deus venha”, onde a figura de Deus (“o Deus”, delimitado pelo artigo definido) revela o princípio e o fim de todas as coisas, atribuindo sentido à vida e à morte, trazendo plenitude e quietude para os sujeitos, mas também se oferecendo como interlocutor dos questionamentos sobre a existência. Tal como em “Só as mães são felizes”, são justamente as criaturas do lado escuro da vida que aspiram ver a face de Deus.
O fragmento específico que dá origem a “Que o Deus venha” toca em um ponto de constante inquietude na obra de Cazuza: a incapacidade de amar, que se apresenta como o grande pathos do compositor. A recorrente afirmação do não saber amar (em tensão com seu intenso desejo de transitividade amorosa) atravessa várias de suas composições e se faz notória nos versos “embora amor dentro de mim eu tenha/ só que eu não sei usar amor”.
Formulações semelhantes aparecem nas letras de “Malandragem” (“eu sou poeta e não aprendi a amar”), “Rock’n’geral” (“ou de um coração meio surdo que não sabe amar”), (“não amo ninguém e é só amor que eu respiro”) “Não amo ninguém”, “Filho único” (“estou na mais completa solidão/ do ser que é amado e não ama”), “Nunca sofri por amor” (“será que nunca amei de verdade/ ou o verdadeiro amor é assim”), “Carente profissional” (“levando em frente/ um coração deprimente/ viciado em amar errado/ crente que o que ele sente/ é sagrado/ e é tudo piada”) e “Fracasso” (“mas eu tenho a impressão/ que todos nós somos fracassados/ eu, por exemplo: não amo…”).
De modo mais amplo, Água Viva fala do mistério do instante que, a um só tempo, é vida e morte – criação e destruição. O livro, que começa na “aleluia” de um parto, no “uivo humano da dor de separação”, mas que é “grito de felicidade diabólica”, fala da explosão do nascimento, da transição, da existência que se faz no limite entre a dor e a alegria, sempre avançando para o próximo instante que provoca medo e fascínio, pois se trata do desconhecido. Os versos adaptados de Cazuza concentram esses sentidos ao apontar o perigo da vida, o sempre inesperado.
Vale notar também que há várias palavras que se repetem neste livro, bem como em toda a obra da escritora: “grita”, “arde”, “pulsa”, “vibra”, “flui”. Como já foi dito, essas palavras estão diretamente ligadas a um espaço interior indomesticável, que é aprisionado pelos limites da condição humana, pelas molduras sociais que se lhe impõe e pelo discurso. Esse mesmo conjunto de palavras (ou ao menos seus sentidos) atravessam, em grande medida, as composições de Cazuza. E, o “objeto gritante” que se narra em Água viva também se relaciona intimamente ao universo rock, de onde o artista extrai a natureza de seu canto e de seu grito.
Por fim, vale pensar que “o lado escuro da vida”, ou aquilo que se encontra “perto do coração selvagem”, não teria tanta força se não colocasse em tensão o sagrado e o profano, o grito e o silêncio, o fluxo e o limite, a transgressão e a redenção, o roubo e a rosa. E assim, a letra que começa com o sujeito “áspero”, “inquieto” e “desesperançado” projeta a esperança de ter paz antes da morte e, mais que isso, um fundo desejo de delicadeza. E é nesse espaço de conflito que se iluminam, mutuamente, as obras de Cazuza e de Clarice Lispector.


[1] O registro do áudio do show de Angela, no qual Cazuza faz essa declaração e canta “Que Deus venha” está disponível em www.youtube.com/watch?v=X3JzJHJg758
[2] “Que o Deus venha” (Frejat/ Cazuza/ Clarice Lispector). Gravada originalmente pelo Barão Vermelho no álbum Declare Guerra (1986) https://youtu.be/cbtgnvSYh_g e regravada por Cássia Eller em Cássia Eller (1990).  A única gravação com a voz de Cazuza é justamente o registro informal do áudio desse show de Angela Ro Ro.
[3] “A via-crúcis do corpo” (Cazuza). Texto não musicado.
[4] In: Perto do Coração Selvagem (LISPECTOR, 1998:70)
[5] In: Água Viva (LISPECTOR, 1998, p.16)
[6] NUNES apud HELENA, 2006:38.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

“Envelhecer é uma loucura, não é para maricas” – Rita Lee



Sei que ainda há quem me veja malucona, doidona, porra-louca, maconheira, droguística, alcoólatra e lisérgica, entre outras virtudes. Confesso que vivi essas e outras tantas, mas não faço a ex-vedete-neo-religiosa, apenas encontrei um barato ainda maior: a mutante virou meditante. Se um belo dia você me encontrar pelo caminho, não me venha cobrar que eu seja o que você imagina que eu deveria continuar sendo. Se o passado me crucifica, o futuro já me dará beijinhos. […] Enquanto isso, sigo sendo uma septuagenária bem ‑vivida, bem‑experimentada, bem‑amada, careta, feliz e… bonitinha. Lucky, lucky me free again*. Tempo para curtir minha casa no mato, para pintar, cuidar da horta, paparicar meus filhos, acompanhar minha neta crescer, lamber meus bichinhos, brincar de dona de casa, escrever historinhas, deixar os cabelos brancos, assistir novela, reler livros de crimes que já esqueci quem eram os culpados, ler biografias de celebridades com mais de setenta anos, descolar adoção para bichos abandonados, acompanhar a política planetária, faxinar gavetas, aprender a cozinhar, namorar Roberto e, se ainda me sobrar um tempinho, compor umas musiquinhas.”
– Rita Lee, no livroRita Lee – Uma autobiografia. São Paulo: Globo Livros, 2016.
*Trecho da canção “Free again”, de Barbra Streisand. Em tradução livre, “Sorte, sorte minha, estou livre novamente”.
Durante o lançamento da sua aguardada autobiografia, Rita Lee, nossa roqueira maior, posa com exclusividade para a revista QUEM aqui reproduzida, afirma que o essencial da vida é amar os bichinhos e colher a própria comida. 
– por Guilherme Samora (texto e fotos)
Os números são astronômicos: maior vendedora de discos do Brasil, mulher que tem a maior quantidade de hits nas paradas do país e campeã de músicas em aberturas de novelas. Os sucessos – dezenas – embalaram e continuam a embalar diferentes gerações. Os discos são vendidos no Brasil e fora dele. Mas, aos 68 anos, vivíssima e cheia de graça, Rita Lee considera:“O maior luxo da vida é dar amor aos bichos e ter uma horta”.
E continua: “Quanto mais simples, melhor. Fazer economia é chique e ecológico. Nessa visão, poder comer da própria horta é um luxo. Eu não quero ter uma Ferrari e ficar me exibindo em rua esburacada. Eu não tenho deslumbre. Não vou me entupir de coisas materiais sem sentido, mansões genéricas…Eu gosto de ficar bem na minha, com meus bichos, que são entidades com as quais divido minha vida. Eu fico comovida quando eu lido com eles, quando os trato, quando trocamos figurinha telepaticamente. É um luxo! Vivo cercada de bichos por carência do divino. E eles são o divino”.

A melhor terapia
Avessa a badalações e curtindo os bichos e a família, a vida da grande artista – cujo nome já está gravado entre os maiores da música mundial – se torna naturalmente alvo de curiosidade. Aposentada dos palcos – mas não da música –, Rita compõe, grava quando quer no estúdio que tem em casa, e, nos últimos tempos, dedicou-se a escrever sua autobiografia, que está sendo lançada pela Globo Livros. “Ao escrever o livro, achei que falar dos traumas da vida seria muito mais pesado do que foi. Senti que foi bom: percebi que nada era tão ruim quanto eu achava. Esses assuntos ficavam como uma nuvem na minha cabeça, em cantos meio escuros, sem que eu pensasse muito neles. Colocar no papel foi a melhor terapia que fiz na vida. Me fez um bem danado. Escrevi e me libertei. Aliás, escrever a bio foi como se eu estivesse me olhando de fora. Sabe quando dizem que antes da morte passa aquele filminho da nossa vida toda? Foi assim que aconteceu, vi o filminho. Mas com a diferença de que estou viva”, descreve, nessa raríssima entrevista cara a cara.
Bem viva, cheia de saúde (“Às vezes a coluna grita, mas não posso reclamar”) e linda com seus cabelos grisalhos, ela está em paz. “Estou gostando muito desta Rita de hoje. Ela é a mais familiar para mim. Sinto que sempre fui essa daqui e representei as outras. Gostei de várias delas, não gostei de outras. E, se eu quiser, às vezes puxo arquivos das outras: posso voltar à criança, à grávida… Mas sinto que essa sou eu, com meu cabelo branco, minhas rugas, de bem com tudo o que vivi e continuo vivendo”.

Nasce uma grande escritora
Rita não precisa mais provar nada. Sua música permanece atual, relevante. Tanto que, nas ruas, seu público vai de crianças a senhoras e senhores. Com um grande apelo entre jovens e adolescentes. Uns param a artista para dizer que se consideram as ovelhas negras da família, outros têm “Mania de Você” como trilha sonora de uma paixão, alguns se identificam com a rebeldia de “Orra Meu”, existem os que se sentem protegidos ao ouvir “Reza”. “Eu dou muito valor para isso. Aquela música, que era uma coisa minha, torna-se algo legal para outra pessoa, que me conta que fez bem para ela. Fico achando que é para isso que fiz música.”
Além das glórias nas paradas, nossa roqueira maior passeou com muito sucesso por novelas, filmes, apresentou programas de TV, fez rádio, teatro, musicais, pintou quadros… A biografia de Rita é pra lá de saborosa e ela nos revela mais uma faceta: a de grande escritora. A infância, passando pelo início da carreira, a prisão em 1976, o encontro de almas com o marido, Roberto de Carvalho, com quem pariu clássicos e três filhos, Beto, João e Antonio – tudo é documentado de maneira honesta. E com detalhes históricos que emocionam. É daqueles livros que não se consegue parar de ler.

“Não tenho deslumbre. Não vou me entupir de coisas materiais sem sentido”
Nas páginas, Rita trata também da paixão por um tema que cercou sua vida desde pequena: os extraterrestres. E se ela avistasse um disco voador e ainda pudesse pedir para viajar para qualquer tempo? “Se um disco voador aparecesse na minha frente eu entraria direto! Meu sonho! Depois, se eles me oferecessem essa gentileza de me levar para qualquer tempo ou lugar, pediria para dar uma volta no futuro. Queria espiar como serão meus bisnetos, os filhos de Izabella (filha de Beto). Ver também como ela estará, o que fez da vida dela. E depois daria um pulinho no passado, para visitar minha infância, meu pai e minha mãe. Se bem que com a bio foi isso que eu fiz: eu visitei o que já vivi. É impressionante como minha memória dessa época mais antiga é boa. Lembro de tudo, com os mínimos detalhes. Lembro com mais clareza dos meus 5 anos do que o que eu fiz ontem!”
E se nesse passeio encontrasse com a Rita dos 17 anos e pudesse dar um conselho a ela? Envelheça! Mas saiba que envelhecer é uma loucura! Envelhecer não é para maricas. Daria conselhos para ter mais cuidado com a postura, com a coluna! E também diria: experimente todas as coisas que quiser, mas se proteja um pouco mais. Não precisa entrar tão de sola em tudo. Dá uma maneirada em uma coisa ou outra.Ah, e faça música: vai dar tudo certo.” E como deu, Rita! É um orgulho ter uma artista como você entre nós. Muito obrigado por existir e por dividir sua música e sua vida com a gente.
Rita Lee – uma autoentrevista
Sempre espirituosa, a cantora e escritora topou um desafio proposto por QUEM: já que está lançando sua autobiografia, que ela fizesse uma autoentrevista. O resultado vem a seguir
Rita Lee: Você sempre disse que só depois de morta uma biografia sua ficaria completa. O que a fez mudar de ideia?
Rita Lee: Minha vida como “artista performática” morreu, a biografia que escrevi é sobre aquela pessoa que um dia fui.
Falando em vida, você acredita em Deus?
Desse deus à imagem e semelhança dos humanos sou atéia… Entendo o Divino através dos animais, das plantas e das pedras. Sou meditante e pratico a iconofilia colecionando imagens de santinhos e divindades de todas as religiões. E luxo para mim não é ter uma Ferrari, é comer da minha própria horta.
Tem saudade do palco?
Nenhuma: 50 anos chacoalhando o esqueleto foi a conta certa.
O que acha do panorama da música do Brasil de hoje?
Aquele meu velho refrão continua atualíssimo: “Ai, ai meu Deus, o que foi que aconteceu com a Música Popular Brasileira? Todos falam sério, todos eles levam a sério, mas esse sério me parece brincadeira!”.
Como você encara a passagem do tempo?
Envelhecer não é para maricas. Dizer que a idade está na cabeça é debochar da minha coluna vertebral. Nada contra quem apela a botoxes e plásticas, mas eu “garrei” carinho nas minhas rugas, pelancas e cabelos brancos, essa é a minha old new face.
A notícia de que você vai ingressar na vida política procede?
(Rita Lee boceja e já ia declarar a entrevista por encerrada quando vem a pergunta que não quer calar.)
Rita, você vai voltar para os Mutantes?
Zzzzzz…

Texto e fotos: Guilherme Samora
Fonte: Revista Quem