quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Secos e Molhados: a banda genial que só durou um verão

Por Ademir Luiz

Muito tempo antes de Didi Mocó fazer sua célebre imitação do genial homem com H Ney Matogrosso, existiu uma banda que revolucionou a música brasileira. Na verdade, a banda ainda existe; discretamente, mas existe. No início da década de 1970, o Secos & Molhados, com seu nome de placa de empório de cidade pequena, conseguiu a façanha de passar de um conjunto udigrude performático experimental da noite paulistana para um imenso sucesso popular.
Em janeiro de 2017 completou 45 anos os ensaios iniciais da primeira formação que importa dessa lendária banda, composta pelo lobisomem Ney Matogrosso, o lusitano “dono da bola” João Ricardo e o meteórico fenômeno Gerson Conrad.
Até onde me lembro, o primeiro contato que tive com o grupo foi em algum momento da segunda metade da década de oitenta, em um livro didático de Língua Portuguesa, onde o autor usou “Rosa de Hiroshima”, indicando na legenda que se tratava de uma música do Secos & Molhados com letra de Vinicius de Moraes, e não um poema de Vinicius de Moraes musicado por Gerson Conrad. Certamente o autor era fã da banda, fãs fazem essas coisas.
“Rosa de Hiroshima” é a nona faixa do disco de estreia da banda, intitulado simplesmente “Secos & Molhados”, lançado em 1973. A revista “Rolling Stone Brasil” colocou esse trabalho na quinta posição em sua lista dos cem maiores discos da história da música brasileira. Todos conhecem esse disco: é aquele com quatro cabeças servidas em bandejas na capa. Quatro? Mas o Secos & Molhados não é um trio? Sim e não. A primeiríssima formação, que ficou conhecida na noite paulistana por seus inusitados shows no Kurtisso Negro, no Bairro do Bixiga, era composta por João Ricardo, Fred e Pitoco e durou entre 1970 e 1971. Fred e Pitoco saíram em julho de 1971 e João Ricardo, criador do nome e do conceito da banda, precisou remontá-la. Primeiro encontrou o magnífico vocalista Ney Matogrosso, dono de uma das melhores vozes da MPB, e meses depois recrutou seu vizinho Gerson Conrad. O trio, refeito e turbinado, ganhou fama ao se apresentar no bar-café Casa de Badalação e Tédio, anexo do Teatro Ruth Escobar. O próximo passo era gravar um disco.

Para isso incorporaram uma quarta cabeça, a do baterista argentino Marcelo Frias, que havia participado da banda Beat Boys (sim, “beat” e não “beach” como aparece em muitos sites por aí), que acompanhou Caetano “muito lindo” Veloso na famosa apresentação de “Alegria, Alegria” no Festival da Record de 1967. Portanto, embora baterista, Marcelo Frias participou da Revolução da Guitarra que fez com que gente barra-pesada como Elis Regina, Jair Rodrigues, Edu Lobo e Gilberto Gil passasse inesgotável vergonha na infame Marcha Contra a Guitarra Elétrica (pelo menos dessa vez o Chico não foi). Apesar do trabalho impecável, Marcelo Frias deixou o grupo logo depois da sessão de fotos para a capa do disco. Não se sabe exatamente o motivo, mas sua cabeça rolou e o trio que se tornara quarteto voltou a ser trio. Um é João Ricardo, dois é pouco, três é ótimo e quatro ficou demais, mas não durou.
Segundo o pesquisador de música popular André Domingues, autor do livro “Os 100 Melhores CDs da MPB”, “Secos & Molhados combinava as influências do rock — principalmente do rock inglês dos anos 60 — e, em menor parte, do blues, com a atitude libertária propagada pelo tropicalismo, refletida na poética e no visual exuberante do grupo, que se apresentava com coreografias sensuais, roupas extravagantes e os rostos pintados”.
Rostos pintados? Sim, rostos pintados! A velha polêmica dos rostos pintados. De novo. Hoje em dia, tempos bárbaros nos quais medimos a importância de um tema pela quantidade de memes que gera, sempre que se fala em Secos & Molhados as duas primeiras coisas que vêm à cabeça é o “Vira” (influência para o “Vira, Vira” dos imortais Mamonas Assassinas? Assunto para outro texto.) e o Kiss. O caso é que os fãs mais ardorosos do trio (incluindo talvez o autor do livro didático de Língua Portuguesa com o qual estudei no ensino fundamental) defendem a tese de que a pintura no rosto utilizada pela banda americana Kiss é uma imitação do Secos & Molhados. O principal argumento que utilizam é a turnê internacional que estes realizaram em 1974.
Não creio. Primeiramente porque o Kiss foi criado, em Nova Iorque, em 1973. Claro que podem justificar que teriam incorporado a pintura depois, mas o fato é que há registros dos integrantes do Kiss devidamente maquiados antes de 1974, inclusive no célebre show que fizeram no Queens em dezembro de 1973. Beijinho no ombro para vocês, brazucas. Resta o último e implausível argumento de que Gene Simmons teria sido informado acerca do impactante estilo de um estranho grupo que lotava ginásios no Brasil e veio verificar, encantou-se e replicou a ideia. Muita teoria da conspiração para o meu gosto.
Em minha opinião, não houve influência ou imitação. Trata-se de uma questão de zeitgeist, o “espírito do tempo”. Na época, diversos artistas incorporavam elementos do teatro — não apenas maquiagem, mas também luzes, fumaça e pirotecnia — na música. Nem o Kiss nem o Secos & Molhados foram os únicos ou primeiros.
Ademais, a questão da pintura é secundária. São bandas muito diferentes, para públicos diferentes. Acho que o Kiss faz um rockão farofa da melhor qualidade, mas sua proposta estética está longe de ser superior à graça performática sofisticada do Secos & Molhados. Gene Simmons, embora seja um ótimo vocalista, só supera nosso querido Ney Matogrosso na fortuna, no cartel de donzelas defloradas e na extensão lingual (o mesmo vale para Mick Jagger, pelo menos no último quesito).

Após o segundo disco, os ginásios lotados e a turnê internacional, os membros do Secos & Molhados se separaram, ainda em 1974. João Ricardo, após duras disputas judiciais, garantiu sua condição de dono da marca e lançou o terceiro álbum em 1978, à frente de uma nova formação composta ainda por Lili Rodrigues, Wander Taffo, Gel Fernandes e João Ascensão. Nem três, nem quatro, mas cinco membros. Fizeram sucesso com a música “Que fim levaram todas as flores?”, mas esse retorno não teve vida longa. Só a numerologia explica. Um é João Ricardo, dois é pouco, três poderia dar certo, quatro é demais, cinco é um exagero.
O quarto disco, lançado em 1980, fracassou, apesar do Secos & Molhados ter novamente três membros oficiais, fora os músicos de apoio: o incansável João Ricardo e os irmãos César e Roberto Lampé. Mais um disco pouco executado viria em 1987, com a ajuda de Totô Braxil, e ainda outro em 1988, intitulado “A Volta do Gato Preto”. Mas o gato preto não voltou e se passaria uma década até o próximo álbum, que veio em 1999, quando João Ricardo se tornou uma banda de um homem só e lançou “Teatro?”, um disco solo sob o rótulo de Secos & Molhados. Só voltou em 2011, em parceria com Daniel Lesbeck, com o lançamento de “Chato-boy”, oitavo e, até o momento, derradeiro trabalho da banda.
Mas se sabemos o que o Chato-boy, digo João Ricardo, andou fazendo com o nome Secos & Molhados, que fim levaram todas as flores?
Com relação a Ney Matogrosso nem é preciso perguntar. Tornou-se um mito, colecionou sucessos como intérprete, dirigiu o megashow do RPM, deu respeitabilidade ao Barão Vermelho quando gravou “Pro dia nascer feliz”, foi mestre e amante do Cazuza, recusou-se a ser mais um artista de aluguel do governo, tornou-se um crítico ácido da gestão PT e, o mais importante, continuou magro e divo. Aplausos de pé!
Gerson Conrad ainda se apresenta como músico no projeto Gerson Conrad & Trupi, e em 2013 lançou o livro de memórias “Meteórico Fenômeno”, onde narra os poucos e intensos anos em que esteve no Secos & Molhados. Uma curiosidade é o fato de que no livro não há fotos de João Ricardo, que não autorizou o uso de sua imagem. Ah, chato-boy!!
Só para constar: o baterista Marcelo Frias participou de gravações com o rei Roberto Carlos, o príncipe Ronnie Von e Gal “meu nome é Gal” Costa, ou seja, continua sendo o rapaz que anda com os músicos.
Seja como for, entre mortos e feridos, entre secos e molhados, salvaram-se todos. As flores não murcharam e “Rosa de Hiroshima” é eterna.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Capital Inicial - Os Sobreviventes

A banda formado por Dinho Ouro Preto, Fê e Flávio Lemos e Yves Passarell, é a capa na revista Rolling Stone de fevereiro. Leia um trecho da matéria a seguir:



















O Capital Inicial pode provocar reações e amor e ódio no público, mas uma coisa é inegável: entre mais altos do que baixos em um mercado hostil, o quarteto de Brasília jamais deixou de militar em favor do rock nacional

por JOSÉ FLÁVIO JÚNIOR
Dois mil e dezessete não é um ano qualquer para o Capital Inicial. Além de marcar o 35º aniversário do nascimento do grupo – já que os irmãos Fê (baterista) e Flávio Lemos (baixista) começaram a ensaiar com o guitarrista Loro Jones e a cantora Heloísa em 1982 –, o ano tem um gosto especial para Yves Passarell. Egresso da banda de heavy metal Viper, o atual titular das seis cordas do Capital substituiu Loro no final da turnê do Acústico MTV, há exatos 15 anos. E para Yves, esse número, mais do que uma festa de debutante, enseja um questionamento: teria a formação vigente virado a formação clássica do grupo?
A trajetória acidentada e peculiar do Capital permite uma resposta positiva. Falamos da única banda do rock brasileiro surgida nos anos 1980 que conseguiu mais êxito no século 21 do que nos seus primórdios. Que obteve esse sucesso sem se ancorar majoritariamente em canções do passado, muito pelo contrário... Que soube se utilizar dos primeiros erros para construir um presente sólido, mesmo enfrentando um cenário cada vez mais árido para o rock. Voltando à frieza dos números, Dinho Ouro Preto entrou para a banda em 1983, saiu em 1993, tentou outros projetos e retornou em 1998 para o que hoje tratamos como a segunda e mais bem-sucedida fase do Capital Inicial. Loro saiu de vez em 2002. O que significa que essa dupla esteve na linha de frente do conjunto por apenas 14 anos. Em 2017, a dobradinha Dinho e Yves passa a ter mais tempo de estrada que o combo Dinho e Loro.
SUCESSO SUSTENTADO 
Dinho comandando a multidão na segunda edição do Rock in Rio, em 1991, no Maracanã

De todos os integrantes, o único que já havia feito essa conta antes dos encontros para as entrevistas desta matéria era Dinho. O vocalista de 52 anos talvez seja o maior fã do que o Capital se tornou em seu segundo momento. E não apenas pelo aspecto comercial – desde a explosão do 
Acústico MTV (2000), a banda foi para o topo do mercado roqueiro e passou a cobrar os maiores cachês entre seus pares e a exibir a agenda mais cheia, realizando até 120 shows em anos bons e se aproximando de 90 em anos ruins, como em 2016. O vocalista tem muito nítido em sua mente o que era capaz de produzir nos primórdios e o quanto foi capaz de evoluir no processo. “Quando ouço nossos primeiros discos, percebo minhas limitações bastante claras. Noto que não sabia cantar, que não era o meu tom. Só que, como eu não sabia tocar, eu sequer sabia diagnosticar o que estava errado. Queria imitar o Renato [Russo] nas letras, e ficava horrível”, explica. “Quando a gente voltou, em 1998, eu já entendia o que conseguia escrever ou não. Fiquei mais seguro de mim. Essa é a grande diferença.”
Yves em show com o Viper, antes de entrar para o Capital









Dois anos mais velho do que o vocalista, Fê Lemos é o grande defensor da primeira fase do Capital. Ele lembra que todos os integrantes participavam do processo de composição, tornando o trabalho mais plural. “As músicas vinham de vários lados. Não eram trabalhos tão coesos, tão focados. Mas eu gostava desse risco”, defende, mesmo reconhecendo o papel fundamental de Dinho ao tomar para si a condição de principal compositor a partir do retorno do grupo. “Se eu fosse o cantor, teria feito a mesma coisa que ele”, completa. Flávio Lemos vai mais longe: “No começo, muitas vezes a gente ficava lá martelando e não saía nada. Ainda bem que o Dinho agora compõe quase tudo. Do contrário, a gente não teria feito esses discos todos. No tempo em que faço uma música, o Dinho faz 12.”
Dinho, aos 18 anos, ao lado de Ines Laurent, ex-mulher de Fê Lemos












Além de tomar as rédeas da criação, geralmente escrevendo com outros parceiros, sendo Alvin L. o mais constante, Dinho impôs outro padrão ao Capital 2.0: alta produtividade. “Percebi essa volta como uma oportunidade que nos estava sendo dada. E aí a gente fez discos compulsivamente, um atrás do outro. E não quero parar. É a única coisa que encontro para explicar por que o Capital está de pé, por que o Capital toca para tanta gente, por que consegue estar com o pescoço acima da água num momento tão difícil para o rock brasileiro, em que a gente olha para as outras bandas e vê todo mundo enfrentando obstáculos reais”, analisa. Entre 1998 e 2015, o Capital lançou seis álbuns e um EP de inéditas, dois acústicos, um ao vivo e um projeto especial com músicas do Aborto Elétrico, a seminal banda que Fê e depois Flávio dividiram com Renato Russo. O plano para 2017 é seguir fazendo os shows do último lançamento, o Acústico NYC (2015), e talvez soltar um single do próximo disco de inéditas.
Primeira foto de divulgação com Dinho, em 1983









“Às vezes, a impressão que eu tenho é que todo mundo fica olhando em volta para a crise”, segue Dinho. “Porque a tempestade perfeita aconteceu: a crise econômica, política e uma enxurrada de sertanejo e funk. Que, na verdade, levou a todos. Levou hip-hop, reggae, MPB, até o axé. Não foi só o rock. No entanto, acho que não cabe ficar nos queixando. Isso pode soar muito perto de inveja. Não me importa esse ruído. Eu tenho respeito pelos artistas desses gêneros. O rock brasileiro deve se concentrar no rock brasileiro. E eu coloquei como meta no Capital produzir, produzir como se nada houvesse, sempre olhando para a frente. Mal ou bem, funciona. Quem gosta de rock brasileiro nos vê como um sopro de ar fresco no meio dessa tempestade. Tipo, ainda bem que há alguém produzindo.”
Show do Capital em São Paulo, em 1985








A mensagem está sendo acolhida. Thadeu Meneghini, guitarrista e vocalista do Vespas Mandarinas, grupo paulistano da safra mais recente do rock que está entre as favoritos de Dinho, define assim o líder do Capital: “Ele é um cara muito especial e, neste momento particular do rock no Brasil, tem tido um papel fundamental. Dinho é como se fosse o que sobrou daquele rock que ainda se segura no mainstream. Só está precisando chutar mais o pau da barraca”, provoca, com a intimidade de quem já abriu shows do Capital e dividiu o microfone com o próprio Dinho. Se bem que a moral do grupo não está restrita ao universo roqueiro. Uma rápida busca no YouTube traz versões de “Natasha” sendo cantada por Luan Santana e de “À Sua Maneira” (originalmente, uma música da banda argentina Soda Stereo) nas vozes de duplas como Rionegro & Solimões, Jorge & Mateus e Matheus & Kauan.
Dinho com o projeto Vertigo, em 1993









Dinho tem uma boa história que envolve o mundo sertanejo. No Prêmio Multishow de 2014, uma divulgadora de gravadora entrou no camarim reservado a ele e a outros roqueiros que homenageariam os Mamonas Assassinas perguntando se Lucas Lucco e Gusttavo Lima poderiam conhecê-lo. “Eles entraram tão emocionados que, num primeiro momento, até estranhei. Mas aí o menos tatuado deles [Lima] disse que o primeiro show que viu na vida, lá na cidade dele, no interior de Minas Gerais, foi do Acústico do Capital. Ali, ele tinha começado a se apaixonar por música. Mostrou uma gratidão que até me surpreendeu”, recorda. O vocalista revela admiração por essa geração que consegue transitar por estilos diferentes, algo que não era permitido para as tribos de sua época. “Quando comecei a me interessar por rock, eu ouvia Led Zeppelin, AC/DC, Black Sabbath, e era muito sectário. Fui mudando de estilo, mas segui sectário. Comecei a ouvir punk rock aos 16 anos e também fiquei me relacionando apenas com pessoas que só ouviam aquilo. Julgava as pessoas pelo som que escutavam. Muito mais tarde, talvez no fim dos meus 20 anos, foi que percebi que isso não determinava o caráter da pessoa, que o roqueiro podia ser um escroto e o pagodeiro podia ser um grande sujeito.”

TRAJETÓRIA SINGULAR 
Yves Passarell, Flávio Lemos, Dinho Ouro Preto e Fê Lemos: a atual formação do Capital é, de longe, a de maior sucesso da banda


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

A “Era Dourada” do rock nacional

A década de 1980 trouxe consigo a esperança da extinção do Regime Militar. A situação para os artistas e para a população tornou-se flexível, mas não totalmente libertária.

O ano era 1982 e as bandas Blitz e Barão Vermelho lançaram aqueles que são considerados os primeiros discos de rock gravados por bandas surgidas naquela geração. Logo, o Brock nasceu por mãos destes dois grupos formados por jovens cariocas. O momento era favorável, em razão do surgimento das rádios FMs e das danceterias abrirem espaço para shows.

A primeira parte da década revelou nomes como Gang 90 & As Absurdetes, Os Paralamas do Sucesso, Kid Abelha & os Abóboras Selvagens, Magazine, Lulu Santos, entre outros.

Após a primeira edição do Rock In Rio, em 1985, o rock definitivamente assumiu a preferência da galera estava na moda ser roqueiro. Logo, um sem-número de bandas começou a pipocar dos quatro cantos do país.


Da Bahia surgiu o grupo Camisa de Vênus, com letras debochadas e sonoridades influenciadas pelo blues Rock dos anos 60.  Do Rio Grande Sul emerge os grupos TNT, Nenhum de Nós e Engenheiros do Hawaii. O Rio de Janeiro exportou Biquini Cavadão, RPM, Uns e Outros e Sempre Livre. A escola roqueira de São Paulo nos deu bandas como Ira!, Inocentes, Zero, Titãs, entre tantas várias outras. Por fim, as bandas Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude colocaram a cena brasiliense em evidência no cenário.



Algo no mínimo diferente aconteceu no cenário da música jovem brasileira durante os anos 80. Popularmente chamada de “década perdida”, aquela geração deixou como saldo uma amostra de que o músico jovem brasileiro pode caminhar em paralelo e se nivelar com as tendências internacionais, que inevitavelmente ditam as regras do universo do showbiz. É impossível deixar de traçar comparativos entre o BRock e as cenas roqueiras brasileiras subsequentes. Porém, é imprudente, quiçá insensato, julgar uma geração superior à outra. Cabe apenas ao gosto pessoal a condição de mapear o que é mais agradável aos ouvidos.








terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Tico Santa Cruz: comportamento nas redes sociais e próximo disco do Detonautas


por Barbara Lopes


O site Rock de Verdade entrevistou o icônico Tico Santa Cruz, vocalista do Detonautas, no Baccará Backstage, em Santos (SP), onde se apresentou no último dia 27, com participação do NDK.


















[Rock de Verdade] Com o Detonautas já existia uma crítica social forte por meio das letras, vídeos, o que de certa forma caracterizou a banda. E agora com as redes sociais, você se considera um formador de opinião?
[Tico Santa Cruz] Eu nunca usei a internet com o objetivo de ser um formador de opinião. Eu sempre usei a internet pra poder me expressar pelo fato de eu não ter canais disponíveis que me dessem essa oportunidade. Quer dizer, eu não sou uma figura que tenha uma abertura muito grande nas mídias tradicionais, então por não ter essa abertura eu tive que criar uma outra ferramenta pra poder me comunicar com meu público. Então, nesse viés de comunicação com o meu público, a minha opinião começou a se tornar uma opinião relevante dentro da rede. E aí as pessoas começaram a me considerar como formador de opinião, e eu sempre fiz isso aí desde o começo (falando sobre política), desde o início da minha vida, desde a escola. Na época que não tinha Facebook eu escrevia textos mimeografados e colava pela escola, as pessoas não sabiam que era eu quem estava escrevendo, eram textos apócrifos. Mas, eu sempre gostei de escrever e de colocar, e isso gerava debate nas salas, porque eu escrevia textos sobre questões religiosas, questões políticas, não tinha onde colocar e colava na parede da sala. Então quando a galera entrava na sala, lia o texto, já dava uma desandada na parada. Eu sempre gostei de debater os assuntos, e a internet foi uma ferramenta que me ajudou a popularizar esses assuntos e chegar nas pessoas.

[RDV] Como é levantar debates político-sociais na rede? Às vezes você dá sua opinião, e às vezes só expõe algum fato para a galera debater… Como isso acontece? De onde vem essa ideia?
[Tico] Eu acho que o debate político nas redes sociais é muito raso. Hoje mais ainda porque as pessoas estão muito polarizadas, é uma coisa muito binária que não é política. Política é quando você consegue convergir ou divergir ideias entre várias formas, aspectos, cores diferentes de opinião. Hoje a pessoa se não pensa de um jeito, pensa do outro – é aquela coisa do “coxinha x mortadela”, que se configurou dessa maneira, e isso é muito raso, eu considero muito raso. Mas ainda acho que mesmo sendo raso é mais importante do que não ter. Antigamente a gente não tinha. Eu me lembro 2007, 2006, 2005, que eu fazia manifestação em frente do Congresso Nacional e não tinha ninguém, era eu e mais três pessoas, cinco pessoas. Eu botava textos na internet e não tinha nenhuma repercussão. Eu falava com o Detonautas no DVD de 2004 (gravado em Campinas), tem uma fala política antes de uma música (“Ladrão de Gravata”) sobre as questões político-sociais do Brasil e isso não repercutia, não tinha alcance. Hoje a coisa se tornou popular. Então, acho que minha missão como artista é usar o fato de que eu sou uma pessoa que tem uma visibilidade grande e pautar os debates de forma que as pessoas consigam se aprofundar um pouco mais, então eu tento sempre ir aprofundando os assuntos. Agora, óbvio, no ano de 2014, 2015, 2016 a coisa ficou muito pesada, e esse ano eu estou com o objetivo voltado exclusivamente pra poder fazer o disco novo do Detonautas, pra lançar o meu livro novo, então eu estou deixando os debates mais calorosos de estar ali, interagindo o tempo inteiro, coloco os fatos mas estou tentando dar uma equalizada pra poder achar o tom certo, pra não ficar só uma guerra louca como estava acontecendo antes.


[RDV] O que você pensa sobre a ascensão de formação de opinião (por embasamento ou não) pela internet?
[Tico] Eu acho que nós estamos no meio de uma revolução da comunicação, e isso é um período de transição até que todas as pessoas entendam como funciona a ferramenta e tudo é caótico, e você tem que saber lidar com o caos, o caos está instalado. Você vai entrar em uma rede e como as pessoas conseguem se organizar pra poder compartilhar opinião e principalmente  no Facebook,  que é um lugar que você segue pessoas, ele tem um algoritmo que identifica com o que você se identifica, e ele começa a jogar pra você coisas que parecem com o que você pensa, e então você cria uma bolha de opinião. Isso é muito perigoso, porque você passa a não raciocinar de forma crítica, você passa a reproduzir só a mesma opinião, e quando você começa a reproduzir só a mesma opinião, você tem certeza de que aquela opinião é a única opinião certa, e isso é muito perigoso, porque as certezas são muito perigosas. Quando a gente tem certeza de alguma coisa, a gente não abre precedente pra mudar opinião, se transformar e tudo mais, e esse é o maior risco. Por isso que eu tento de alguma maneira e consigo na minha página trazer pessoas de várias correntes, tem gente que é de esquerda, tem gente que é de direita, tem gente que é liberal, tem gente que é conservadora, tem gente que é anarquista, tem gente que é de várias nuances políticas pra você poder tentar ali travar um diálogo que faça com que as pessoas reflitam, e eu tenho bastante êxito nisso, porque eu vejo que tem muita gente que fala assim “puts, eu tinha uma opinião a respeito disso, mas aí eu li em um debate…” porque não basta ser só a postagem. A postagem vai jogar o que todo mundo está jogando, agora o meu debate dentro da página (na época que eu estava me propondo a fazer isso) gerava que as pessoas que estavam acompanhando e lendo o debate e falavam “pô, isso aí que o cara falou tem razão”, “isso aqui que o Tico falou tem razão”, então o debate é que faz com que as pessoas possam se esclarecer. Se for só compartilhamento e só leitura do conteúdo talvez não sirva muito pra formação do senso crítico.

[RDV] Como é ser brasileiro, crítico na internet, falando de política no Brasil, e “dando a cara a tapa”?
[Tico] Toda vez que você vai expor uma opinião vai ter adesão e vai ter crítica. A questão da internet é que quando você tem uma adesão grande você também vai criar um volume de críticos teus que vai reunir outros críticos, e vão criar, de alguma maneira orgânica, correntes muito pesadas de ataques. Ano passado eu sofri bastante essa questão de ataques, não é uma questão de se vitimizar porque são ataques que se usam de mentiras, de ameaças, de injúria, de calúnia, de difamação, e são todos passíveis de questões jurídicas. Tanto que eu processei um blogueiro, o Nando Moura, que se sobressaiu por ser um cara que fala um monte de mentiras, que ataca um monte de gente, e diz ele que vai recorrer, mas ainda que ele recorra ele já perdeu na primeira, e se perder na segunda vai ter que pagar uma indenização maior ainda, além dos custos do processo. Então as pessoas tem que ter responsabilidade com as coisas que elas falam, e a gente que tá falando tem que ter a consciência de que há uma reação. Nas ruas eu não tenho essa rejeição, se um cara não concorda comigo ele vai passar direto e não vai falar nada, talvez um cara faça uma  brincadeira ou outra e tal, mas não tem os caras que ficam igual no Facebook xingando, ofendendo e te agredindo, porque na rua as coisas são de outra forma. Às vezes até no tom de voz e conversando com a pessoa, o cara entende que o que você está dizendo não era exatamente o que ele estava lendo, porque a interpretação de texto também é péssima. Você também tá contando com o fato de que as pessoas não leem no Brasil. Então às vezes o cara tá lendo uma coisa e não consegue nem interpretar, e já tá te atacando antes de entender. Por exemplo, aqui no Baccará quando a gente fez a divulgação: eu entrei nos posts do Baccará e tinham 26 likes uma postagem… As postagens que tinham mais likes tinham 500 likes, 400 likes. Na minha postagem tinham 980 likes e 400 comentários, porque virou uma guerra ali dentro. Isso pra quem contrata o show é muito ruim, porque o cara fica com medo, fica tenso, o contratante não está acostumado a essa realidade, então muitas vezes tem que chegar pro contratante e explicar pra ele que o que tá acontecendo na internet nem sempre é a realidade do que se acontece na rua. Tem grupos organizados que entram em lugares onde eu vou fazer show que é pra poder atacar e fazer o contratante recuar, e aí eu falo pro contratante que quando ele recua diante de uma opinião que é controversa, ele abre espaço pra que não tenha mais direito de colocar o que ele quiser, só vai colocar o que essas pessoas que estão pressionando pela internet querem, e a internet não reflete a realidade do dia a dia. A gente vai ver aqui hoje que provavelmente vai ser um dia cheio, como todos os lugares onde eu tenho feito shows, como todos os lugares onde o Detonautas tem feito shows. Então essa coisa da internet tem que ponderar muito bem pra não cair numa armadilha, de não achar que “ah, o Tico Santa Cruz tem uma rejeição gigante”, não tenho. Eu ando na rua tranquilo, às vezes mais tranquilo do que essa galera que tá sendo aplaudida pela internet e que quando vai na rua neguinho bate de frente e acaba criando tumulto.

[RDV] Agora vamos falar de música. Você participou ativamente no cenário do rock brasileiro nos anos 2000, e agora você continua participando nessa nova “geração” que é mais desprendida de rótulos do rock, mais eclética… Como é estar presente nessas duas fases, observar essa mudança?
[Tico] Hoje o rock no Brasil representa, com muita bondade, 2% do mercado nacional, então é muito pequeno. É um nicho que tem uma dificuldade muito grande de comunicação com a massa. Tirando as bandas que já são consagradas e que já têm uma carreira estabelecida, as demais bandas encontram uma dificuldade muito grande de dialogar. Primeiro porque não tem nada, só tem uma rádio de rock no Brasil (Rádio Rock  89 FM, São Paulo), algumas outras rádios menores que são pulverizadas pelos interiores do Brasil, então não tem canal pras bandas falarem com muita gente. Não tem também na televisão, entra na Multishow, na MTV, o espaço está muito restrito (ao rock). No canal aberto (Globo, SBT, Redetv) menos ainda. Então, o único espaço que a gente tem pro rock é a internet. E dentro da internet a coisa também fica pulverizada. Acho que a grande dificuldade do rock hoje é conseguir acessar a linguagem dessa garotada, da juventude. E de alguma maneira eu tento, pelo fato de já ter uma carreira consolidada, de que eu já tenho hits, eu já tenho uma história dentro do rock nacional, fazer com que a galera possa descobrir novas bandas, descobrir novos artistas, novos conceitos. Por exemplo, esse projeto que eu tô fazendo aqui agora, de tocar com uma banda de Santos, ou de São Paulo, Rio Grande do Sul, faz com que a galera conheça um novo trabalho de uma outra banda. Eu fiz agora um som com a Anacrônica, uma banda que eu gosto muito, eu vindo agora pra cá pra São Paulo (o cara que está trabalhando comigo como produtor tem uma banda chamada Atlanta, que é muito boa, que não é de rock mas mistura rock, rap, reggae). Então quando tem coisa boa eu procuro sempre jogar luz, pra ver se floresce alguma coisa. Por enquanto a gente só está plantando, o que a gente vai colher no futuro vai depender dos espaços.





















[RDV] O que manteve o Detonautas até aqui?
[Tico] O que mantém o Detonautas é o fato de que a gente acredita muito na nossa música, a gente tem uma amizade muito grande dentro da banda, a gente passa sim por momentos muito difíceis, muitos altos e muitos baixos, as coisas são muito diferentes, cada um tem que se virar como pode. Eu vejo muitas bandas dando pausas, terminando, acabando e a gente seguindo, com dificuldades, enfrentamento, pouco espaço em mídia, com um personagem que é uma figura que eu sou, que tem controvérsias, mas acho que o rock é isso, não acho que o rock seja um comportamento de gado, de ovelha, de ficar repetindo tudo o que as pessoas querem ouvir e só ser aplaudido, eu acho que tem essa questão de enfrentamento do próprio público de rock, acho que esse é um papel do rock na sociedade. O Detonautas esse ano vai lançar um disco novo, eu acredito muito que a gente vá conseguir acessar essa galera que o rock não tá conseguindo acessar, porque eu tenho feito um trabalho pra poder tentar articular essa linguagem de uma forma que chegue nessa galera  e eu vou acreditar sempre  de que é possível.

[RDV] O que a gente pode esperar em relação a lançamento?
[Tico] Tem um álbum novo. Não é um álbum com muitas músicas, a gente lançou um disco duplo no ano retrasado. É um álbum com talvez 8 músicas, no máximo 10, e que a gente vai trabalhar com ele ao longo desse ano. Então provavelmente a gente deva lançar algo até junho, julho, algum single, e o álbum mesmo está programado para agosto.

[RDV] A sonoridade vai ser mantida, vai ser algo diferente, ou não pode falar ainda?


[Tico] Estamos fazendo experimentações, mas é dentro do universo do que o Detonautas já fez. Não estamos vindo pra revolucionar (em termos de linguagem), a gente tá vindo pra reafirmar a nossa forma de fazer rock. O Detonautas tem uma forma própria de fazer rock e a gente veio reafirmar isso pra poder chegar na galera.