terça-feira, 11 de outubro de 2016

20 Anos Sem Renato: Uma visita à vida e à obra de um dos maiores ídolos do rock nacional

Em 11 de outubro de 1996, o rock brasileiro perdia um de seus maiores expoentes. Renato Russo liderou a Legião Urbana e a transformou numa banda de 25 milhões de discos. Foi autor de canções que, 20 anos depois, ainda estão na ponta da língua de sua legião de seguidores.


Neste especial o leitor encontra uma homenagem em forma de obituário, fotos e infográficos que mostram o que mudou no Brasil desde o lançamento de ‘Perfeição’. Eduardos e Mônicas da vida real também enviaram seus relatos para compor esta página, que conta ainda com depoimento de Paulo Ricardo.


Filho da revolução, Renato Russo deixa legião de fãs
Por Fernanda Pereira Neves


Ele afirmava ser “impaciente e indeciso”, declarava sua indignação com a sujeira das favelas e do Senado, clamava pelo amor “como se não houvesse amanhã”.
Renato Manfredini Júnior, mais conhecido como o cantor e compositor Renato Russo, líder da banda Legião Urbana, morreu hoje, 11 de outubro de 1996, no Rio.
O poeta de uma geração, que ele chamou certa vez de “geração Coca-Cola”, tinha 36 anos. Estava magro, depressivo, recluso e morreu à 1h15 da madrugada, ao lado do pai, em seu apartamento em Ipanema.
Renato Russo tinha o vírus HIV há seis anos e estava com anorexia grave, segundo seu médico, Saul Bteshe.


“Ele morreu por causa de complicações da doença”, afirmou o médico à Folha. A mãe do artista, Carminha Manfredini, disse que “ele quis chegar ao fim. Não se suicidou, mas simplesmente não lutou”.
A cerimônia de cremação, acontecerá na manhã de hoje no cemitério São Francisco Xavier, no Caju (região portuária do Rio).

Comenta-se que Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, companheiros dele na Legião Urbana, irão anunciar o fim da banda nos próximos dias.
Nascido na capital fluminense, Renato passou a maior parte da infância na Ilha do Governador (zona norte) com os pais e a irmã mais nova.
Era agitado, bem-humorado, nada tímido. Tirava notas boas na escola –desde matemática até história, lembra um colega–, ouvia de música clássica a Beatles dos pais e fazia imitações na frente da TV para divertir a irmã.Mas foi em Brasília, na adolescência, que teve a relação com a música estreitada. Talvez por culpa de uma doença no ossos. Aos 14 anos, passou por uma cirurgia na perna e deu uma pausa na escola. Sem poder levantar, fez uma nova amiga: a vitrola ao lado da cama.
Foi um ano, talvez um ano e meio, ouvindo, tocando, escrevendo –inclusive um livro (leia crítica neste especial).
Ao se recuperar, transformou a música em uma forma de fazer amigos. “A gente trocava ideia pelos LPs. Descobrimos o movimento punk como uma forma de se manifestar num período de ditadura”, relata Bonfá, que aponta Renato como um “irmão mais velho”.

Os protestos, ideias e frustrações eram colocados no papel por Renato. Às vezes, eram rabiscos que demoravam para ganhar um fim. Chegavam a levar anos.
Outras vezes, suas letras eram trabalhadas pelos colegas como num jogral. “A gente fazia estilo banda de garagem, cada um falando o que vinha na cabeça”, diz Bonfá.

No fim, as canções eram apresentadas em shows do Aborto Elétrico e, depois, do Legião Urbana.






Foi assim que Eduardo e Mônica se encontraram, que João de Santo Cristo se aventurou e morreu na capital federal e que uma geração se declarou filha da revolução.
A primeira banda durou menos de três anos, sem disco gravado. Já a Legião Urbana passou 14 anos em atividade, lançou oito discos de estúdio, vendeu cerca de 25 milhões de cópias e não há nenhum sinal de que esteja perdendo popularidade.
Contrariando o título (“Ainda É Cedo”) de um de seus primeiros sucessos, não é cedo para afirmar: a obra de Renato Russo ainda será atual no próximo milênio.



Depoimento: Amizade com Renato foi instantânea
Por Paulo Ricardo

Éramos uma turma animada, na ECA-USP, onde eu fazia jornalismo. Antenada. A nova música fluía. Danceterias, festivais, fanzines, fitas cassete, shows, shows, muitos shows!

Milhões de bandas, alinhadas com o que estava acontecendo na Inglaterra, criavam uma cena abrangente, instigante, que prometia a qualquer momento explodir o mainstream. Uma festa para o rock brasileiro, esse período de 1982, 1983, 1984!



Numa dessas manhãs, minha amiga Patricia Andrade, estudante de rádio e TV (foi dela a sugestão do nome RPM), me disse: “Vamos ao Centro Cultural Vergueiro no domingo? Vai ter uma banda de Brasília que tem umas letras legais, tem uma que diz ‘uma menina me falou’. E aí ele responde. Tipo um diálogo, sabe? Bem interessante!”

Fomos conferir. Algumas dezenas de gatos e gatas pingadas enfrentavam a garoa para conferir aquele trio que, realmente, tinha letras muito boas. Patricia era exigente.
Fui apresentado a eles e logo engatei um papo com o baterista Marcelo Bonfá, que disse ter ouvido a demo da nossa banda e que havia sentido uma influência de Comsat Angels [banda pós-punk inglesa de 1978]. Confirmei a influência (era mentira).

Já havia conhecido Dado Villa-Lobos com Fernanda, sua mulher e editora do fanzine “Spalt”, no Napalm [casa de shows em Santa Cecília, centro de São Paulo].
Mas o Renato intimidava. Anti-herói de barba espessa, óculos de grau, com uma intensidade quase carrancuda e ironia fina, baixista e vocalista como eu. Ele estava à vontade, num dia bom, o show tinha sido ótimo e o papo correu solto. Ele conhecia meu passado de jornalista para a editora Som Três. Foi amizade instantânea.

As letras do Renato se destacavam pelo lado coloquial, pela sensibilidade de tratar de temas complexos e profundos com uma simplicidade e um frescor que, logo de cara, desarmava a armadilha da pretensão e criava uma empatia imediata com o ouvinte.
No começo, ele era o punk, o inconformista, o cara que não ligava para imagem e não gostava de videoclipes, mas que, segundo ele, queria que sua banda fosse uma mistura de Bob Dylan e Duran Duran.


Havia uma certa preocupação entre os mais chegados sobre como o público reagiria quando ele saísse do armário. Quando ele o fez, influenciado por Cazuza, isso só o engrandeceu.
Em 1986, tínhamos acabado de tocar no Gigantinho, em Porto Alegre, e fomos vê-los numa danceteria. Subimos ao palco e, juntos, RPM e Legião, fizemos “Será” e “Rádio Pirata”. Inesquecível.
Numa noite de 1987, eu, Renato e Cazuza nos encontramos numa boate em Ipanema chamada Barão com Joana. Ficamos uns vinte minutos pulando abraçados, uivando em nome da amizade e do sucesso do rock brasileiro.

Em fevereiro de 1996, Renato cantou comigo “A Cruz e a Espada” no meu CD “Rock Popular Brasileiro”. Meses depois, foi vencido pela Aids. Foi como se não houvesse amanhã.

Paulo Ricardo é jornalista e músico, cantor e baixista da banda RPM.





Artista é tema de musicais, CD, mostra e filme


Marcando o aniversário de duas décadas de sua morte, Renato Russo volta em dose dupla aos teatros. Além de “Renato Russo - O Musical”, que estreia nesta terça (11) no Theatro Net, no Rio, outro musical inspirado no livro “Só Por Hoje e Para Sempre”, escrito por ele quando estava na clínica de reabilitação, deve estrear em março de 2017.
Os mesmos produtores dos espetáculos também preparam, para o ano que vem, “Eduardo e Mônica”, filme inspirado numa das músicas mais famosas do compositor. Também em 2017, Renato Russo será tema de uma exposição no MIS, em São Paulo. A instituição mostrará, entre outros objetos pessoais, diários escritos por ele e nunca exibidos publicamente.
Mas antes, Giuliano Manfredini, filho do artista, se prepara para lançar um CD com releituras de músicas do pai.Crítica: Livro é caderno para fãs de rock
Por Thales de Menezes

“The 42nd St. Band” é essencialmente uma prova da imaginação poderosa de Renato Russo. A biografia de uma banda de rock fictícia, escrita quando ele tinha por volta dos 15 anos, atesta que Renato já carregava conhecimento enciclopédico do rock, familiaridade precoce com o jornalismo musical e nenhum freio em suas ambições.

É a história da banda da rua 42, na qual seu alter ego é o baixista Eric Russell (Russo/Russell, simples assim). No texto, passam pelo grupo dois dos maiores guitarristas do rock inglês em todos os tempos, Jeff Beck e Mick Taylor, este integrante dos Rolling Stones entre 1969 e 1974. Personagens imaginários interagem com lendas da música com uma intimidade que o delírio adolescente não questiona.Renato era um garoto bilíngue. As anotações que serviram de base para o livro são em inglês. Reflexo de seus hábitos de leitura. A americana “Rolling Stone”, que tinha uma aura de bíblia musical nos anos 1970, era revista de cabeceira declarada do brasileiro. Não por acaso, seu livro “reproduz” entrevistas dos integrantes da 42nd St. Band à revista.

A trajetória do grupo é uma colcha de retalhos que contempla vários clichês das biografias de roqueiros. Amigos de adolescência tocam na garagem, partem para os shows, o sucesso vem acompanhado de brigas e crises, os discos ganham elogios ou pedradas da crítica, a vida na estrada é divertida mas cansa, sexo e drogas formam mesmo a famosa tríade com o rock and roll, e por aí vai.
Na capa da edição há um subtítulo impresso em letras pequenas: “Romance de uma banda imaginária”. Há exagero. Porque definitivamente o livro não é um romance. Está mais para um caderno de fã no qual ele cola tudo o que sai sobre seus artistas preferidos em jornais e revistas.

Assim, o que se lê é um mostruário de formatos habituais na imprensa musical, com reportagens narrativas, críticas de discos e shows, entrevistas de perguntas e respostas alternadas (pingue-pongue, no jargão jornalístico), diários de turnês, relação das músicas nos repertórios das apresentações, diagramas com as várias formações diferentes do grupo, discografia em listas.O material que foi transformado no livro estava disperso em anotações de Renato. O organizador do volume, Tarso de Melo, tenta imprimir um eixo central para conduzir esses textos, mas não escapa de cair em muitas repetições. Se Renato Russo tivesse a ideia de publicar tudo isso, teria talvez editado com mais autoridade para cortar redundâncias e consertar informações conflitantes que aparecem aqui ou ali.
Do jeito que está, é preciso ser muito fã de Renato para atravessar as 226 páginas numa leitura contínua. Quando surge pela terceira vez entre os capítulos o terceiro resumo da carreira da banda, a vontade é largar o livro e ir escutar algum disco da Legião.

A natureza fragmentada do texto pode acabar mais adequada a uma apreciação também fragmentada. “The 42nd St. Band” pode ser aberto em qualquer página e, com sorte, cair em seus trechos mais interessantes. Como a letra de “Blow Job Blues” (“Blues do Boquete”), brincadeira clara com a canção pornográfica dos Stones nunca incluída me álbum da banda, “Cocksucker Blues”.
Falar que é obrigatório para os fãs de Legião é totalmente desnecessário. Quem se interessa por rock também vai querer ler. É, literalmente, o retrato do artista quando jovem.

THE 42nd ST. BAND
AUTOR Renato Russo
TRADUTOR Guilherme Contijo Flores 
EDITORA Companhia das Letras 
QUANTO R$ 34,90 (226 págs.) 
AVALIAÇÃO 
muito bom