Sei que ainda há quem me veja malucona, doidona, porra-louca, maconheira, droguística, alcoólatra e lisérgica, entre outras virtudes. Confesso que vivi essas e outras tantas, mas não faço a ex-vedete-neo-religiosa, apenas encontrei um barato ainda maior: a mutante virou meditante. Se um belo dia você me encontrar pelo caminho, não me venha cobrar que eu seja o que você imagina que eu deveria continuar sendo. Se o passado me crucifica, o futuro já me dará beijinhos. […] Enquanto isso, sigo sendo uma septuagenária bem ‑vivida, bem‑experimentada, bem‑amada, careta, feliz e… bonitinha. Lucky, lucky me free again*. Tempo para curtir minha casa no mato, para pintar, cuidar da horta, paparicar meus filhos, acompanhar minha neta crescer, lamber meus bichinhos, brincar de dona de casa, escrever historinhas, deixar os cabelos brancos, assistir novela, reler livros de crimes que já esqueci quem eram os culpados, ler biografias de celebridades com mais de setenta anos, descolar adoção para bichos abandonados, acompanhar a política planetária, faxinar gavetas, aprender a cozinhar, namorar Roberto e, se ainda me sobrar um tempinho, compor umas musiquinhas.”
– Rita Lee, no livro “Rita Lee – Uma autobiografia“. São Paulo: Globo Livros, 2016.
*Trecho da canção “Free again”, de Barbra Streisand. Em tradução livre, “Sorte, sorte minha, estou livre novamente”.
*Trecho da canção “Free again”, de Barbra Streisand. Em tradução livre, “Sorte, sorte minha, estou livre novamente”.
Durante o
lançamento da sua aguardada autobiografia, Rita Lee, nossa roqueira maior, posa
com exclusividade para a revista QUEM aqui reproduzida, afirma que o essencial
da vida é amar os bichinhos e colher a própria comida.
– por Guilherme Samora (texto e fotos)
– por Guilherme Samora (texto e fotos)
Os números
são astronômicos: maior vendedora de discos do Brasil, mulher que tem a maior
quantidade de hits nas paradas do país e campeã de músicas em aberturas de
novelas. Os sucessos – dezenas – embalaram e continuam a embalar diferentes
gerações. Os discos são vendidos no Brasil e fora dele. Mas, aos 68 anos,
vivíssima e cheia de graça, Rita Lee considera:“O maior luxo da vida é dar amor
aos bichos e ter uma horta”.
E continua: “Quanto mais simples, melhor. Fazer
economia é chique e ecológico. Nessa visão, poder comer da própria horta é um
luxo. Eu não quero ter uma Ferrari e ficar me exibindo em rua esburacada. Eu
não tenho deslumbre. Não vou me entupir de coisas materiais sem sentido,
mansões genéricas…Eu gosto de ficar bem na minha, com meus bichos, que são
entidades com as quais divido minha vida. Eu fico comovida quando eu lido com
eles, quando os trato, quando trocamos figurinha telepaticamente. É um luxo!
Vivo cercada de bichos por carência do divino. E eles são o divino”.
A melhor terapia
Avessa a badalações e curtindo os bichos e a família, a vida da grande artista – cujo nome já está gravado entre os maiores da música mundial – se torna naturalmente alvo de curiosidade. Aposentada dos palcos – mas não da música –, Rita compõe, grava quando quer no estúdio que tem em casa, e, nos últimos tempos, dedicou-se a escrever sua autobiografia, que está sendo lançada pela Globo Livros. “Ao escrever o livro, achei que falar dos traumas da vida seria muito mais pesado do que foi. Senti que foi bom: percebi que nada era tão ruim quanto eu achava. Esses assuntos ficavam como uma nuvem na minha cabeça, em cantos meio escuros, sem que eu pensasse muito neles. Colocar no papel foi a melhor terapia que fiz na vida. Me fez um bem danado. Escrevi e me libertei. Aliás, escrever a bio foi como se eu estivesse me olhando de fora. Sabe quando dizem que antes da morte passa aquele filminho da nossa vida toda? Foi assim que aconteceu, vi o filminho. Mas com a diferença de que estou viva”, descreve, nessa raríssima entrevista cara a cara.
A melhor terapia
Avessa a badalações e curtindo os bichos e a família, a vida da grande artista – cujo nome já está gravado entre os maiores da música mundial – se torna naturalmente alvo de curiosidade. Aposentada dos palcos – mas não da música –, Rita compõe, grava quando quer no estúdio que tem em casa, e, nos últimos tempos, dedicou-se a escrever sua autobiografia, que está sendo lançada pela Globo Livros. “Ao escrever o livro, achei que falar dos traumas da vida seria muito mais pesado do que foi. Senti que foi bom: percebi que nada era tão ruim quanto eu achava. Esses assuntos ficavam como uma nuvem na minha cabeça, em cantos meio escuros, sem que eu pensasse muito neles. Colocar no papel foi a melhor terapia que fiz na vida. Me fez um bem danado. Escrevi e me libertei. Aliás, escrever a bio foi como se eu estivesse me olhando de fora. Sabe quando dizem que antes da morte passa aquele filminho da nossa vida toda? Foi assim que aconteceu, vi o filminho. Mas com a diferença de que estou viva”, descreve, nessa raríssima entrevista cara a cara.
Bem viva,
cheia de saúde (“Às vezes a coluna grita, mas não posso reclamar”) e linda com
seus cabelos grisalhos, ela está em paz. “Estou gostando muito desta Rita de
hoje. Ela é a mais familiar para mim. Sinto que sempre fui essa daqui e
representei as outras. Gostei de várias delas, não gostei de outras. E, se eu
quiser, às vezes puxo arquivos das outras: posso voltar à criança, à grávida…
Mas sinto que essa sou eu, com meu cabelo branco, minhas rugas, de bem com tudo
o que vivi e continuo vivendo”.
Nasce uma grande escritora
Nasce uma grande escritora
Rita não precisa mais provar nada. Sua música permanece atual, relevante. Tanto
que, nas ruas, seu público vai de crianças a senhoras e senhores. Com um grande
apelo entre jovens e adolescentes. Uns param a artista para dizer que se
consideram as ovelhas negras da família, outros têm “Mania de Você” como trilha
sonora de uma paixão, alguns se identificam com a rebeldia de “Orra Meu”,
existem os que se sentem protegidos ao ouvir “Reza”. “Eu dou muito valor para
isso. Aquela música, que era uma coisa minha, torna-se algo legal para outra
pessoa, que me conta que fez bem para ela. Fico achando que é para isso que fiz
música.”
Além das
glórias nas paradas, nossa roqueira maior passeou com muito sucesso por
novelas, filmes, apresentou programas de TV, fez rádio, teatro, musicais,
pintou quadros… A biografia de Rita é pra lá de saborosa e ela nos revela mais
uma faceta: a de grande escritora. A infância, passando pelo início da
carreira, a prisão em 1976, o encontro de almas com o marido, Roberto de
Carvalho, com quem pariu clássicos e três filhos, Beto, João e Antonio – tudo é
documentado de maneira honesta. E com detalhes históricos que emocionam. É
daqueles livros que não se consegue parar de ler.
“Não tenho deslumbre. Não vou me entupir de coisas materiais sem sentido”
“Não tenho deslumbre. Não vou me entupir de coisas materiais sem sentido”
Nas páginas, Rita trata também da paixão por um tema que cercou
sua vida desde pequena: os extraterrestres. E se ela avistasse um disco voador
e ainda pudesse pedir para viajar para qualquer tempo? “Se um disco voador
aparecesse na minha frente eu entraria direto! Meu sonho! Depois, se eles me
oferecessem essa gentileza de me levar para qualquer tempo ou lugar, pediria
para dar uma volta no futuro. Queria espiar como serão meus bisnetos, os filhos
de Izabella (filha de Beto). Ver também como ela estará, o que fez da vida
dela. E depois daria um pulinho no passado, para visitar minha infância, meu
pai e minha mãe. Se bem que com a bio foi isso que eu fiz: eu visitei o que já
vivi. É impressionante como minha memória dessa época mais antiga é boa. Lembro
de tudo, com os mínimos detalhes. Lembro com mais clareza dos meus 5 anos do
que o que eu fiz ontem!”
E se nesse passeio encontrasse com a Rita dos 17 anos e pudesse dar um conselho
a ela? Envelheça! Mas saiba que envelhecer é uma loucura! Envelhecer não é para
maricas. Daria conselhos para ter mais cuidado com a postura, com a coluna! E
também diria: experimente todas as coisas que quiser, mas se proteja um pouco
mais. Não precisa entrar tão de sola em tudo. Dá uma maneirada em uma coisa ou
outra.Ah, e faça música: vai dar tudo certo.” E como deu, Rita! É um orgulho
ter uma artista como você entre nós. Muito obrigado por existir e por dividir
sua música e sua vida com a gente.
Rita Lee – uma autoentrevista
Sempre espirituosa, a cantora e escritora topou um desafio proposto por QUEM: já que está lançando sua autobiografia, que ela fizesse uma autoentrevista. O resultado vem a seguir
Sempre espirituosa, a cantora e escritora topou um desafio proposto por QUEM: já que está lançando sua autobiografia, que ela fizesse uma autoentrevista. O resultado vem a seguir
Rita Lee: Você sempre disse que só depois de morta
uma biografia sua ficaria completa. O que a fez mudar de ideia?
Rita Lee: Minha vida como “artista performática” morreu, a biografia que escrevi é sobre aquela pessoa que um dia fui.
Rita Lee: Minha vida como “artista performática” morreu, a biografia que escrevi é sobre aquela pessoa que um dia fui.
Falando em vida, você acredita em Deus?
Desse deus à imagem e semelhança dos humanos sou atéia… Entendo o Divino através dos animais, das plantas e das pedras. Sou meditante e pratico a iconofilia colecionando imagens de santinhos e divindades de todas as religiões. E luxo para mim não é ter uma Ferrari, é comer da minha própria horta.
Desse deus à imagem e semelhança dos humanos sou atéia… Entendo o Divino através dos animais, das plantas e das pedras. Sou meditante e pratico a iconofilia colecionando imagens de santinhos e divindades de todas as religiões. E luxo para mim não é ter uma Ferrari, é comer da minha própria horta.
Tem saudade do palco?
Nenhuma: 50 anos chacoalhando o esqueleto foi a conta certa.
Nenhuma: 50 anos chacoalhando o esqueleto foi a conta certa.
O que acha do panorama da música do Brasil de hoje?
Aquele meu velho refrão continua atualíssimo: “Ai, ai meu Deus, o que foi que aconteceu com a Música Popular Brasileira? Todos falam sério, todos eles levam a sério, mas esse sério me parece brincadeira!”.
Aquele meu velho refrão continua atualíssimo: “Ai, ai meu Deus, o que foi que aconteceu com a Música Popular Brasileira? Todos falam sério, todos eles levam a sério, mas esse sério me parece brincadeira!”.
Como você encara a passagem do tempo?
Envelhecer não é para maricas. Dizer que a idade está na cabeça é debochar da minha coluna vertebral. Nada contra quem apela a botoxes e plásticas, mas eu “garrei” carinho nas minhas rugas, pelancas e cabelos brancos, essa é a minha old new face.
Envelhecer não é para maricas. Dizer que a idade está na cabeça é debochar da minha coluna vertebral. Nada contra quem apela a botoxes e plásticas, mas eu “garrei” carinho nas minhas rugas, pelancas e cabelos brancos, essa é a minha old new face.
A notícia de que você vai ingressar na vida
política procede?
(Rita Lee boceja e já ia declarar a entrevista por encerrada quando vem a pergunta que não quer calar.)
(Rita Lee boceja e já ia declarar a entrevista por encerrada quando vem a pergunta que não quer calar.)
Rita, você vai voltar para os Mutantes?
Zzzzzz…
Zzzzzz…
Texto e fotos: Guilherme Samora
Fonte: Revista Quem
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