A banda formado por Dinho Ouro Preto, Fê e Flávio Lemos e Yves Passarell, é a capa na revista Rolling Stone de fevereiro. Leia um trecho da matéria a seguir:
O Capital Inicial pode provocar reações e amor
e ódio no público, mas uma coisa é inegável: entre mais altos do que baixos em
um mercado hostil, o quarteto de Brasília jamais deixou de militar em favor do
rock nacional
por JOSÉ FLÁVIO JÚNIOR
por JOSÉ FLÁVIO JÚNIOR
Dois mil e dezessete não é um ano
qualquer para o Capital Inicial. Além de marcar o 35º aniversário do nascimento
do grupo – já que os irmãos Fê (baterista) e Flávio Lemos (baixista) começaram
a ensaiar com o guitarrista Loro Jones e a cantora Heloísa em 1982 –, o ano tem
um gosto especial para Yves Passarell. Egresso da banda de heavy metal Viper, o
atual titular das seis cordas do Capital substituiu Loro no final da turnê do Acústico MTV, há exatos 15 anos. E para Yves, esse
número, mais do que uma festa de debutante, enseja um questionamento: teria a
formação vigente virado a formação clássica do grupo?
A trajetória acidentada e peculiar do Capital permite uma resposta
positiva. Falamos da única banda do rock brasileiro surgida nos anos 1980 que
conseguiu mais êxito no século 21 do que nos seus primórdios. Que obteve esse
sucesso sem se ancorar majoritariamente em canções do passado, muito pelo
contrário... Que soube se utilizar dos primeiros erros para construir um
presente sólido, mesmo enfrentando um cenário cada vez mais árido para o rock.
Voltando à frieza dos números, Dinho Ouro Preto entrou para a banda em 1983,
saiu em 1993, tentou outros projetos e retornou em 1998 para o que hoje
tratamos como a segunda e mais bem-sucedida fase do Capital Inicial. Loro saiu
de vez em 2002. O que significa que essa dupla esteve na linha de frente do
conjunto por apenas 14 anos. Em 2017, a dobradinha Dinho e Yves passa a ter
mais tempo de estrada que o combo Dinho e Loro.
SUCESSO SUSTENTADO Dinho comandando a multidão na segunda edição do Rock in Rio, em 1991, no Maracanã |
De todos os integrantes, o único que já havia feito essa conta antes dos encontros para as entrevistas desta matéria era Dinho. O vocalista de 52 anos talvez seja o maior fã do que o Capital se tornou em seu segundo momento. E não apenas pelo aspecto comercial – desde a explosão do Acústico MTV (2000), a banda foi para o topo do mercado roqueiro e passou a cobrar os maiores cachês entre seus pares e a exibir a agenda mais cheia, realizando até 120 shows em anos bons e se aproximando de 90 em anos ruins, como em 2016. O vocalista tem muito nítido em sua mente o que era capaz de produzir nos primórdios e o quanto foi capaz de evoluir no processo. “Quando ouço nossos primeiros discos, percebo minhas limitações bastante claras. Noto que não sabia cantar, que não era o meu tom. Só que, como eu não sabia tocar, eu sequer sabia diagnosticar o que estava errado. Queria imitar o Renato [Russo] nas letras, e ficava horrível”, explica. “Quando a gente voltou, em 1998, eu já entendia o que conseguia escrever ou não. Fiquei mais seguro de mim. Essa é a grande diferença.”
Yves em show com o Viper, antes de entrar para o Capital |
Dois anos mais velho do que o vocalista, Fê Lemos é o grande defensor da primeira fase do Capital. Ele lembra que todos os integrantes participavam do processo de composição, tornando o trabalho mais plural. “As músicas vinham de vários lados. Não eram trabalhos tão coesos, tão focados. Mas eu gostava desse risco”, defende, mesmo reconhecendo o papel fundamental de Dinho ao tomar para si a condição de principal compositor a partir do retorno do grupo. “Se eu fosse o cantor, teria feito a mesma coisa que ele”, completa. Flávio Lemos vai mais longe: “No começo, muitas vezes a gente ficava lá martelando e não saía nada. Ainda bem que o Dinho agora compõe quase tudo. Do contrário, a gente não teria feito esses discos todos. No tempo em que faço uma música, o Dinho faz 12.”
Dinho, aos 18 anos, ao lado de Ines Laurent, ex-mulher de Fê Lemos |
Além de tomar as rédeas da criação,
geralmente escrevendo com outros parceiros, sendo Alvin L. o mais constante,
Dinho impôs outro padrão ao Capital 2.0: alta produtividade. “Percebi essa
volta como uma oportunidade que nos estava sendo dada. E aí a gente fez discos
compulsivamente, um atrás do outro. E não quero parar. É a única coisa que
encontro para explicar por que o Capital está de pé, por que o Capital toca
para tanta gente, por que consegue estar com o pescoço acima da água num momento
tão difícil para o rock brasileiro, em que a gente olha para as outras bandas e
vê todo mundo enfrentando obstáculos reais”, analisa. Entre 1998 e 2015, o
Capital lançou seis álbuns e um EP de inéditas, dois acústicos, um ao vivo e um
projeto especial com músicas do Aborto Elétrico, a seminal banda que Fê e
depois Flávio dividiram com Renato Russo. O plano para 2017 é seguir fazendo os
shows do último lançamento, o Acústico NYC (2015),
e talvez soltar um single do próximo disco de inéditas.
Primeira foto de divulgação com Dinho, em 1983 |
“Às vezes, a impressão que eu tenho é que todo mundo fica olhando em
volta para a crise”, segue Dinho. “Porque a tempestade perfeita aconteceu: a
crise econômica, política e uma enxurrada de sertanejo e funk. Que, na verdade,
levou a todos. Levou hip-hop, reggae, MPB, até o axé. Não foi só o rock. No
entanto, acho que não cabe ficar nos queixando. Isso pode soar muito perto de
inveja. Não me importa esse ruído. Eu tenho respeito pelos artistas desses
gêneros. O rock brasileiro deve se concentrar no rock brasileiro. E eu coloquei
como meta no Capital produzir, produzir como se nada houvesse, sempre olhando
para a frente. Mal ou bem, funciona. Quem gosta de rock brasileiro nos vê como
um sopro de ar fresco no meio dessa tempestade. Tipo, ainda bem que há alguém
produzindo.”
Show do Capital em São Paulo, em 1985 |
A mensagem está sendo acolhida. Thadeu Meneghini, guitarrista e
vocalista do Vespas Mandarinas, grupo paulistano da safra mais recente do rock
que está entre as favoritos de Dinho, define assim o líder do Capital: “Ele é
um cara muito especial e, neste momento particular do rock no Brasil, tem tido
um papel fundamental. Dinho é como se fosse o que sobrou daquele rock que ainda
se segura no mainstream. Só está precisando chutar mais o pau da barraca”,
provoca, com a intimidade de quem já abriu shows do Capital e dividiu o
microfone com o próprio Dinho. Se bem que a moral do grupo não está restrita ao
universo roqueiro. Uma rápida busca no YouTube traz versões de “Natasha” sendo
cantada por Luan Santana e de “À Sua Maneira” (originalmente, uma música da banda
argentina Soda Stereo) nas vozes de duplas como Rionegro & Solimões, Jorge
& Mateus e Matheus & Kauan.
Dinho com o projeto Vertigo, em 1993 |
Dinho tem uma boa história
que envolve o mundo sertanejo. No Prêmio Multishow de 2014, uma divulgadora de
gravadora entrou no camarim reservado a ele e a outros roqueiros que
homenageariam os Mamonas Assassinas perguntando se Lucas Lucco e Gusttavo Lima
poderiam conhecê-lo. “Eles entraram tão emocionados que, num primeiro momento,
até estranhei. Mas aí o menos tatuado deles [Lima] disse que o
primeiro show que viu na vida, lá na cidade dele, no interior de Minas Gerais,
foi do Acústico do Capital. Ali, ele tinha começado a se
apaixonar por música. Mostrou uma gratidão que até me surpreendeu”, recorda. O
vocalista revela admiração por essa geração que consegue transitar por estilos
diferentes, algo que não era permitido para as tribos de sua época. “Quando
comecei a me interessar por rock, eu ouvia Led Zeppelin, AC/DC, Black Sabbath,
e era muito sectário. Fui mudando de estilo, mas segui sectário. Comecei a
ouvir punk rock aos 16 anos e também fiquei me relacionando apenas com pessoas
que só ouviam aquilo. Julgava as pessoas pelo som que escutavam. Muito mais
tarde, talvez no fim dos meus 20 anos, foi que percebi que isso não determinava
o caráter da pessoa, que o roqueiro podia ser um escroto e o pagodeiro podia
ser um grande sujeito.”
TRAJETÓRIA SINGULAR Yves Passarell, Flávio Lemos, Dinho Ouro Preto e Fê Lemos: a atual formação do Capital é, de longe, a de maior sucesso da banda |
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